EXERCÍCIO DE SÁBADO: LEITURA ORANTE DA SAGRADA ESCRITURA
(cf. CARVALHO, Humberto Robson de, Liturgia:
elementos básicos para formação dos catequistas. São Paulo: Paulus, 2018)
A Leitura Orante da
Bíblia é o coração da vida cristã, pois a vida cristã é alimentada pela fé
(escuta da Palavra e sua prática), pela esperança (anúncio da Palavra por meio
da palavra e do testemunho) e a caridade (amar os outros como Deus nos ama). [1]
Entre as muitas maneiras de ler a Sagrada Escritura
existe uma muito conhecida: a Lectio
Divina ou exercício de leitura orante da Sagrada Escritura. Ela contém
quatro momentos: leitura, meditação, oração e contemplação. Essa maneira de ler
a Bíblia nos leva a uma maior sintonia com Jesus e a sua Palavra
transformando-nos em autênticos discípulos-missionários. Consiste na leitura de
um trecho bíblico, repetida uma ou mais vezes, acompanhada de silêncios,
meditação, oração e contemplação. [2]
Esse
modo de ler-rezar a Palavra de Deus nos ajuda no processo do encontro pessoal
com o Senhor a semelhança de tantos outros que na história da salvação se
encontraram com Jesus, como por exemplo: Nicodemos, Zaqueu, a Samaritana, entre
tantos outros. [3]
Praticada pessoalmente, em grupo ou em família, a Leitura
Orante da Bíblia ajuda os pais a passarem a fé aos filhos, os catequistas aos
catequizandos, os grupos a se fortalecerem, pois a Palavra de Deus é como uma
fonte de água viva que jorra abundantemente.
Por meio da Leitura Orante da Bíblia procuraremos
compreender o que diz a Bíblia: “A Palavra está muito perto de ti: em tua boca
e em teu coração, para que a ponhas em prática” (Dt 30,14), e, ao mesmo tempo,
instruir, corrigir, formar na justiça, e, assim, qualificar o homem de Deus para
toda a boa obra (cf. Rm 15,4).
A Leitura Orante da Bíblia é o resultado da leitura que
os primeiros cristãos fizeram da Palavra de Deus, para alimentar a fé e animar
a caminhada da comunidade diante das dificuldades e dos desafios de cada dia.
Nossos irmãos primeiros na fé aprenderam com o povo hebreu que a Palavra de
Deus e a oração estão ligadas entre si. Herdamos deles esse modo de ler e
experimentar a Palavra de Deus no cotidiano de nossas vidas.
O Concílio Vaticano II buscou retornar e valorizar os
primeiros relatos e escritos cristãos das pessoas que tiveram uma experiência
forte com Jesus e a Tradição cristã em sua origem. [4]
Em síntese: Os Padres da Igreja
colocaram a Palavra no centro do aprofundamento do pensamento cristão. A Bíblia
para eles não era somente um livro, mas o livro da vida, que leva à descoberta
de Deus e à comunhão com Ele. O fruto da lectio passava depois para a
catequese, a pregação, e por isso para o agir cotidiano. Assim solidificava uma
sólida unidade entre a Bíblia, a teologia, a espiritualidade e ação pastoral.[5]
A Leitura Orante deve provocar em cada catequista um
renovado desejo de ajudar a interpretar a vida à luz da Palavra de Deus,
tornando-nos modelos de serviço e de oferta generosa ao Senhor da Vida e da
História.
Como
fazer a Leitura Orante da Bíblia?
Podemos fazê-la de
diversos modos, neste livro apresentaremos uma das modalidades. Algumas
recomendações importantes:
1. O texto bíblico a ser
utilizado na Leitura Orante deve ser escolhido antes de começar a oração ao
Espírito Santo. Evitar escolher um texto aleatório como se estivéssemos
“sorteando” a Palavra. Preferencialmente, os textos devem ser escolhidos entre
aqueles utilizados na liturgia do dia.
2. Reservar um local
aconchegante para a leitura. O ambiente exterior deve refletir o nosso
interior. Devemos escolher um lugar muito especial, por mais simples que seja,
para nos ajudar a mergulhar no mistério de Deus. Assim como o ambiente, deve-se
escolher também um horário apropriado para a leitura. Quanto à duração de uma
Leitura Orante, poderá ser de trinta a sessenta minutos.
3. Invocar a presença do
Espírito Santo de Deus. Ele é o mestre de oração por excelência. Sem Ele não
há oração. É o Espírito que mantém entre
nós a presença do Ressuscitado, caminho que nos leva ao Pai. É o Espírito Santo
de Deus que faz a Igreja interpretar as Sagradas Escrituras. É o próprio
Espírito que ora em nós (cf. Rm 8, 26). Sem a presença do Espírito Santo a
Leitura Orante torna-se um exercício puramente humano, uma vaidade intelectual,
e não um amadurecimento espiritual e pastoral. Com as bênçãos e as luzes do
Espírito Santo, reviveremos também em nós a experiência dos apóstolos depois da
Ressurreição do Senhor.
Se quisermos, poderemos rezar a oração tradicional de
invocação ao Espírito Santo, mas também podemos elaborar nossa própria oração
ao Espírito Santo. Ou ainda, se preferirmos, poderemos entoar um refrão orante
– por exemplo – “A nós descei divina luz”; “Envia teu Espírito, Senhor, e
renova a face da terra”; “Vem, Espírito Santo, vem, vem iluminar” – ou outro
canto de invocação ao Espírito Santo.
É bom ter em mente que, mesmo estando sozinhos na oração,
estaremos sempre unidos aos irmãos. Por mais pessoal que seja a nossa oração,
somos membros de uma comunidade alicerçada no Senhor.
Oferecemos uma oração elaborada por nós especialmente
para esse momento de preparação da Leitura Orante:
Vem, Espírito Santo, abre nossa mente e
nosso coração para mergulharmos no mistério de seu infinito amor. Concede-nos a
graça da leitura apaixonada e aprofundada da Sagrada Escritura. Permite-nos
meditar a Santa Palavra e com ela modificar nossas vidas. Ensina-nos a rezar
com a Palavra Divina e por meio dela transformar nossa vida em oração.
Ajuda-nos a contemplar por meio de tua Palavra o mundo, as pessoas, a natureza
e, pela contemplação fixar nosso olhar tão somente em tua bondade e tua
misericórdias infinitas. Vem, Espírito Santo, enche-nos com tua sabedoria e com
teu poder divino. Transforma, por meio da Leitura Orante, todo o nosso ser, a
fim de sermos, também nós, tua Palavra viva e eficaz no meio do mundo em que
vivemos. Vem, Espírito Santo, nós te pedidos e imploramos, por intermédio de
Jesus Cristo, Palavra do Pai, que vive e reina pelos séculos dos séculos. Amém.
Roteiro
esquematizado da Leitura Orante da Bíblia
Após essas informações
básicas e preciosas apresentamos o roteiro da Leitura Orante da Bíblia
propriamente dito. A Leitura Orante segue um itinerário que compreende alguns
degraus, passos ou etapas. Para melhor apreender e vivenciar a Leitura Orante é
necessário cumprir todos os passos, um por um. Os quatro passos são:
1º
passo: Leitura
O primeiro passo, como
todos os outros, é muito importante. Trata-se de uma leitura pausada, atenta e
perseverante do texto escolhido. Ler o texto como se fosse pela primeira vez.
“Entrar” no texto, fazer parte dele, sentir-se como ator, ou seja, participar
de cada cena apresentada. Ler o texto como se fosse um “estrangeiro” que não
conhece bem a língua e, por isso, precisa de muita atenção em cada palavra e em
cada cena.
Cada catequista tem uma metodologia, seu jeito próprio de
absorver o conhecimento. Talvez seja interessante ler várias vezes até
memorizar, aprender “de cor”, isto é, “de coração”. Ler silenciosamente, mas
ler também em voz alta. Pronunciar bem as palavras, criando familiaridade com o
texto. “Escutar” e “auscultar” o texto. Sublinhar palavra ou versículos que
chamam a atenção. Se porventura nos distrairmos ao longo da leitura, deveremos
recomeçar.
O objetivo desse primeiro passo é compreender a mensagem
central do texto escolhido. Temos de sair desse passo com a clareza do texto
lido.
É preciso deixar o texto falar por si e se perguntar o
que o texto diz para você mesmo. É preciso interiorizar a mensagem do texto, e
o melhor caminho para isso é o silêncio. O silêncio é fundamental para que a
Palavra de Deus encontre espaço em nosso interior. Depois de um tempo de
silêncio (cinco a dez minutos), retomar o texto. Se quisermos, poderemos
escrever o que mais nos chamou a atenção, anotar as palavras e os verbos ou até
mesmo um versículo inteiro.
No primeiro passo devemos nos servir dos comentários ou
dicionários bíblicos ou de outros subsídios que nos ajudem a compreender melhor
o texto escolhido para a Leitura Orante, inclusive algumas Bíblias, como a nova
Bíblia Pastoral, a Bíblia do Peregrino, entre outras, que contêm explicações no
rodapé. Qualquer texto bíblico deverá ser entendido dentro de seu contexto
histórico, político, religioso, econômico e cultural. Assim, evitaremos fazer
uma leitura fundamentalista do texto, isto é, ao pé da letra e
descontextualizada. [6]
2º passo: Meditação
O segundo passo
consiste em repetir, “mastigar” e “digerir” a Palavra. Após ter lido atenta e
profundamente a Palavra vamos levar da memória ao coração. Vamos nos perguntar:
1.
O que esta leitura diz para mim?
2.
O que Deus fala por meio deste texto?
3.
Qual versículo me chamou mais a atenção?
4.
O que preciso mudar em minha vida a partir
dessa leitura?
No
segundo passo, seja qual for o texto escolhido do Antigo ou do Novo Testamento,
contemplaremos nele o mistério pascal de Jesus (sofrimento, morte, ressurreição
e glorificação). A leitura feita à luz do Cristo ressuscitado deve transformar
nossas vidas, fazer de nós outro Cristo. “Tal Cristo, tal cristão!” Por trás de
cada palavra deveremos buscar o rosto de Cristo ressuscitado.
A
meditação torna o texto atual e o traz para dentro de nossa vida e de nossa
realidade, tanto pessoal como social. Meditar é dialogar. É falar com Deus e
deixar que Ele fale também. Deus fala no silêncio e no silêncio escutamos sua
voz.
Depois
de ouvir e ler a Palavra de Deus é hora de assimilá-la criativa e ativamente no
chão da vida e da história de cada um de nós. Pode-se, nesse momento, resumir
numa frase tudo o que foi aprendido. Essa frase nos ajudará a recordar o que
foi meditado durante o dia todo. Repetir de memória, com a boca, com o coração
e com a vida o que foi lido e compreendido.
Pode-se
cantar um refrão já conhecido que apresente ligação com o texto, ou até mesmo
compor um canto relacionado à leitura e à meditação do texto bíblico. Perceber
o que Deus falou no passado e continua a falar nesse momento é o grande
exercício de meditação que devemos praticar.
3º passo: Oração
O
terceiro passo é a oração por meio da Palavra lida e meditada. Agora é hora de
manifestar, por meio da oração, o que em nós foi tocado pela Palavra. É o
momento de conversar com Deus, de rezar o texto lido e meditado.
Escolhe-se
um versículo, vários versículos ou até mesmo uma única palavra inspirada pelo
texto. Formulamos do nosso jeito a oração a ser feita. Podemos fazê-la em forma
de pedido, agradecimento ou louvor. O importante é que se faça a oração. Depois
de elaborada, poderemos rezar silenciosamente, em voz alta e, se houver
inspiração, até mesmo cantarolar a oração composta.
A
leitura e a meditação transformam-se num encontro íntimo e pessoal com Deus.
Entramos em diálogo, em comunhão amorosa com Ele. Ele está no meio de nós! O
texto lido e meditado nos motiva a rezar. Pode-se afirmar que a oração está
presente em todos os passos da Leitura Orante, mas é neste terceiro passo que
verbalizamos, em forma de oração, o que lemos e meditamos. Perguntamos, nesse
processo dialogal de oração: O que esta Palavra nos faz dizer a Deus? Com
certeza, nossa oração nascerá espontaneamente por meio da Palavra lida e
meditada. Chegou a hora de respondermos a Deus. Nossa leitura Orante se
transforma em deliciosa e prazerosa conversa com Deus.
Não
nos preocupemos com as palavras, se vamos conjugar todos os verbos corretamente
e ou se estamos falando de acordo com as regras gramaticais vigentes. Deixemos
o coração falar, amar e sonhar. Sejamos apaixonadamente criativos. Rezemos com
o coração, com o olhar, com a boca e com todo o nosso ser, porém não percamos
de vista o texto lido e meditado. Nesse momento a oração terá de ser à luz do
texto e não de outras realidades.
A
oração nascida da leitura e da meditação provoca em nós uma atitude de
admiração silenciosa e de adoração ao Senhor dos senhores. Desde o início, os
cristãos perceberam que é difícil rezar e que nunca rezaremos como convém. Por
isso, devemos contar sempre com o “Espírito Santo que ora em nós” (Rm 8, 26).
4º passo: Contemplação
O
último passo da Leitura Orante é contemplação. A partir desse momento a nossa
atenção se dirige ao Senhor da vida e da história. É o momento em que vamos
fixar o olhar e o coração tão somente em Deus e, ao mesmo tempo, reconhecê-lo
como Mestre e Senhor. À luz da Palavra
lida, meditada e rezada e contemplada, vamos discernir a vontade de Deus em
nossas vidas e nos acontecimentos de cada dia.
O
Catecismo da Igreja Católica nos ensina que contemplar é olhar fixamente em
Jesus. “Eu olho para Ele e Ele olha para mim”, disse um camponês certa vez a
São João Maria Vianey em oração diante do Santíssimo. “Essa atenção a Ele é
renúncia ao eu. Seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina
os olhos de nosso coração; ensina-nos a ver tudo na luz de sua verdade e de sua
compaixão para todos dos homens”. [7]
A
contemplação não é fruto do esforço humano, mas
dom gratuito de Deus a cada um de nós. É o transbordamento do coração em
ação transformadora. A contemplação nos envolve por inteiro e leva à
transformação de nossas vidas. Na contemplação percebemos a ação de Deus dentro
de nós. Assimilamos a Palavra amorosa do Mestre e Senhor. Diante da bondade, da
ternura e do carinho imensos de Deus nos perguntamos: Como Deus agiria nessa
situação? Mestre, o que queres que façamos? Na contemplação não devemos dizer
muitas palavras, de preferência não digamos palavra alguma.
Contemplação é experiência, é vivência,
ultrapassa o simples conceito de sentimento. Apenas queremos estar com Ele,
viver com Ele e n’Ele. Contemplar é deixar-se renovar por Cristo, com Cristo e
em Cristo. A contemplação é o estágio mais avançado da oração. Ao chegar a esse
ponto máximo, começamos a descer do monte, como fez o profeta Elias, e voltamos
para testemunhar aos irmãos e irmãs “o que ouvimos e vimos com nossos olhos e
contemplamos com nossas vidas”.[8]
O
ideal seria que todo catequista fizesse a Leitura Orante da Bíblia todos os
dias, mas se a fizermos uma vez por semana com certeza caminharemos a passos
largos numa espiritualidade autêntica, profunda, pessoal, comunitária em favor
de nosso crescimento na fé e na vida de fé e contribuiremos para que nosso
ministério catequético se torne autenticamente bíblico-catequético-litúrgico.
E ao
fecharmos a Bíblia concluiremos a Leitura Orante com essa oração que preparamos
ou outra que você achar conveniente:
Espírito Santo de Deus, fonte viva de
bondade, agradecidos bendizemos sua presença salvadora e redentora no meio de
nós. Espírito Santo de Deus, fonte viva de ternura, agradecidos glorificamos sua graça santificante no meio
de nós. Espírito Santo de Deus, fonte viva de sabedoria, agradecidos
proclamamos sua companhia salvífica no meio de nós. Espírito Santo de Deus,
fonte viva de alegria, agradecidos cantamos como Maria as maravilhas realizadas
em nossas vidas. Espírito Santo de Deus, fonte viva de esperança, agradecidos
manifestamos, como os profetas e apóstolos, as graças e bênçãos derramadas
sobre nós. Espírito Santo de Deus, fonte viva de amor, agradecidos terminamos
com devoção e gratidão o exercício orante da Palavra escrita para nós. Que
possamos hoje e sempre, proclamar com a vida o que lemos, meditamos, rezamos e
contemplamos. Amém.
A
nossa atitude de oração diante da Palavra de Deus deve ser como foi a de Maria,
profundamente mergulhada nas coisas de Deus a ponto de poder manifestar com a
boca, o coração e a vida: “Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38).
[1] Este texto sobre a Leitura Orante da
Bíblia foi elaborado, principalmente, com base nos livros de Bruno Secondin
(2004), Enzo Bianco (2009), Gabriel Mestre (2010), Giorgio Zevini (2008), e João E. M. Terra (2009).
[2] CNBB. Diretório Nacional de Catequese
(DNC), n. 111.
[3] CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO.
Documento de Aparecida: São Paulo, Paulinas, Paulus, Canção Nova, 2007, n. 249.
[4]
H. C. J. MATOS; F. A. SATLHER. Iniciação à espiritualidade cristã para
leigos, p.43.
[5] BIANCO, E. Encontrar Deus na sua
Palavra, p. 21.
[6] CNBB. Diretório Nacional de Catequese
(DNC), n.114.
[7] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 2715.
[8] CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL. A
leitura orante da Bíblia, São Paulo, Loyola, 1997, p. 29-32, P. SCIADINI, A
pedagogia da direção espiritual, São Paulo: Loyola, 2006, p. 210.
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