TRABALHO CATEQUESE COM ADULTOS MÓDULOS V e VI

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Módulo V – 24.02.2021

Tema 1: CATECUMENATO

Fé Vivida (Bem-aventuranças e mandamentos)

Fé Rezada (Oração cristã e Pai Nosso)

(textos base – Catecismo da Igreja Católica)

 Tema 2: - TEMPO DA PURIFICAÇÃO E ILUMINAÇÃO


Módulo VI – 08.03.2021


TEMPO DA MISTAGOGIA - Catequese querigmática e mistagógica

·      Como trabalhar os conteúdos da fé mistagogicamente?

·      Como fazer a transversalidade do Querigma e da Mistagogia em todo o processo?

·      textos base –  Doc 107 e Novo Diretório para a Catequese

 Professor: Pe. Thiago Faccini

Assessora: Irmã Flávia Carla Nascimento

Professores: Pe. Fábio Augusto e Pe. Edivaldo Donato Bernardo 

Mediador: Pe. Thiago Faccini

Secretaria: Me. Sra. Sofia Neumann Zang e Me. Sra. Joice Gonçalves

Coordenação: Glades Terezinha Roamani

Livro base: Documento CNBB 107; Bíblia e Catecismos da Igreja Católica


CURSO DE EXTENSÃO PARA CATEQUISTAS COM ADULTOS

 

MÓDULO 5 – Fé vivida e rezada

 

TEXTOS PARA LEITURA DE APROFUNDAMENTO

 

TEXTO 1

Primado dos 10 mandamentos

Dom Orlando Brandes - Arcebispo de Aparecida (SP)

  

Chamamos os Dez Mandamentos de Decálogo: 10 leis. Qual sua finalidade? São necessários? O que protegem? Por que existem? Seriam esses mandamentos uma imposição arbitrária? Qual o sentido dessas dez palavras?

1. O decálogo é manutenção da aliança, da amizade e da fidelidade do povo com seu Deus. Para proteger essa amizade e defender a aliança são promulgados os dez mandamentos. O amado e o amante concordam em proteger o amor. Assim fazem os amigos, os namorados, os esposos, os aliados. São as exigências do amor. O amor é exigente, é mandamento. Em outras palavras, os mandamentos cuidam do amor, entre a criatura e o Criador, defendem-no e o promovem.

2. Os dez mandamentos são regras para proteger a vida, valor primordial a ser defendido. Viver bem, ter vida digna, plena, feliz, eis o que o Deus da vida quer para seus filhos e suas filhas. O decálogo é um código de defesa da vida, dos direitos humanos, do verdadeiro humanismo. São normas que o Criador inscreveu em nossos corações como proteção de vida longa e feliz.

3. Eles protegem a liberdade, livram-nos do mal, do egoísmo, da destrutividade. Proíbem nossa escravidão às coisas e às pessoas, libertam-nos do poder, do ódio, da mentira, da ambição, das paixões. São remédios contra os venenos da existência humana. Quanto mais seguirmos os mandamentos, mais livres seremos. Livres do mal. Os mandamentos são leis de libertação. Protegem nossa liberdade de todas as correntes e cadeias do mal.

4. Os mandamentos expressam a sabedoria e providência de Deus. O povo de Deus torna-se sábio, se obedecer aos mandamentos, que são leis inteligentes, justas, autênticas, protetoras. Eles são uma pedagogia, porque indicam o caminho do bem, da verdade, da justiça, da retidão. Conduzem à felicidade e à virtude. Graças ao decálogo, podemos construir uma sociedade justa, fraterna, solidária. O bem comum precisa das leis do decálogo, que são um código de ética universal. Valem para as pessoas, culturas e nações.

5. São leis inatas, naturais, colocadas pelo Criador em nossos corações e nossas consciências. São a base segura para a vida pessoal e social. Antes de serem escritos nas pedras, os mandamentos foram escritos no coração. São a voz da consciência moral e nos levam a colaborar com o Criador e a conviver com os outros em igualdade, dignidade, liberdade e reciprocidade. Constituem a lei natural que ordena a todos: faça o bem, evite o mal. São o futuro da humanidade, pois, graças a sua força interior, a seus valores, preservam a vida na terra.

6. O decálogo é luz e orientação para a sociedade. Não precisaríamos multiplicar as leis se observássemos os dez mandamentos. Eles são suficientes e necessários para a organização social. Quanto menos seguimos os mandamentos, tanto mais precisamos promulgar leis que se tornam coativas, opressoras, arbitrárias. Jesus não anulou o decálogo, mas o aprimorou, completou-o e o aprofundou. O novo decálogo são as bem-aventuranças, que mostram o que é a felicidade. São orientações para a prática do reino de Deus, prescrevem como deve ser o novo mundo, a nova sociedade. Os fariseus inventaram 613 mandamentos. Jesus resumiu-os em dois, pois bastava o mandamento do amor.

7. Os dez mandamentos são uma escola, uma catequese, um ensinamento ético e social. São leis inatas que levam ao bom senso, à retidão, aos deveres essenciais. O decálogo é a mais perfeita legislação de todos os tempos. “Se queres entrar na vida eterna, guarda os mandamentos” (Mt 19,17). Muitos problemas internacionais, continentais, sociais e pessoais seriam resolvidos se a humanidade observasse os Dez Mandamentos, que são a síntese da verdadeira humanidade, da retidão da consciência moral e da sociedade justa e fraterna. Mais que promulgar leis, precisamos voltar à prática e observância do decálogo, que expressam a vontade de Deus e o desejo do coração humano, da lei natural e da consciência reta, em favor da vida.

TEXTO 2

 

Conselhos do Papa Francisco sobre os 10 mandamentos

Santo Padre fez um ciclo de catequeses sobre os 10 mandamentos.

 

O Papa Francisco fez um itinerário de catequeses sobre o tema dos mandamentos da Lei de Deus. Segundo o Pontífice, os mandamentos são palavras de Deus estabelecendo um diálogo conosco. “Deus comunica-se nestas dez palavras e aguarda a nossa resposta”.

 

1º mandamento da Lei de Deus: Amarás a Deus sobre todas as coisas

Papa pede que confiemos totalmente em Deus.

Sobre o primeiro mandamento da Lei de Deus, o Pontífice falou sobre idolatria, afirmando que ela surge da incapacidade do homem em confiar totalmente em Deus. Papa Francisco afirma que os ídolos nos impedem de seguir a direção dada por Deus, de amá-lo acima de todas as coisas. «Os ídolos prometem a vida, mas na realidade tiram-na. O Deus verdadeiro não pede a vida, mas doa-a, concede-a. O Deus verdadeiro não oferece uma projeção do nosso sucesso, mas ensina a amar. O Deus verdadeiro não pede filhos, mas dá o seu Filho por nós».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Sala Paulo VI

Quarta-feira, 1º de agosto de 2018

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Ouvimos o primeiro mandamento do Decálogo: «Não terás outros deuses diante da minha face» (Êx 20, 3). É bom refletir sobre o tema da idolatria, que é de grande alcance e atualidade. A ordem proíbe que se façam ídolos[1] ou imagens[2] de qualquer tipo de realidade: [3] com efeito, tudo pode ser usado como ídolo. Referimo-nos a uma tendência humana, que não poupa nem crentes nem ateus. Por exemplo, nós cristãos podemos interrogar-nos: qual é verdadeiramente o meu Deus? É o Amor Uno e Trino ou então a minha imagem, o meu sucesso pessoal, talvez dentro da Igreja? «A idolatria não diz respeito apenas aos falsos cultos do paganismo. Continua a ser uma tentação constante para a fé. Ela consiste em divinizar o que não é Deus» (Catecismo da Igreja Católica, n. 2113).

O que é um “deus” no plano existencial? É aquilo que está no cerne da própria vida e do qual depende o que fazemos e pensamos.[4] Podemos crescer numa família cristã de nome, mas na realidade centrada em pontos de referência alheios ao Evangelho.[5] O ser humano não vive sem se centrar em algo. Eis, então, que o mundo oferece o “supermarket” dos ídolos, que podem ser objetos, imagens, ideias, papéis.

Por exemplo, inclusive a oração. Devemos rezar a Deus, nosso Pai. Recordo que certa vez fui a uma paróquia na diocese de Buenos Aires para celebrar uma Missa e depois devia fazer as crismas noutra paróquia, a 1 km de distância. Fui a pé e atravessei um bonito parque. Mas naquele parque havia mais de 50 mesinhas, cada uma com duas cadeiras e as pessoas sentadas uma em frente da outra. O que faziam? Jogo de cartas. Iam ali “para rezar” ao ídolo. Em vez de rezar a Deus, que é providência do futuro, iam ali porque liam as cartas para ler o futuro. Esta é uma idolatria dos nossos tempos. Pergunto-vos: quantos de vós fostes, para que vos lessem as cartas a fim de ver o futuro? Quantos de vós, por exemplo, fostes para que vos lessem as mãos a fim de ler o futuro, em vez de rezar ao Senhor? Esta é a diferença: o Senhor está vivo; os outros são ídolos, idolatrias que não servem.

Como se desenvolve uma idolatria? O mandamento descreve algumas fases: «Não farás para ti escultura, nem figura alguma [...] / Não te prostrarás diante delas / e não lhes prestarás culto» (Êx 20, 4-5). A palavra “ídolo” em grego deriva do verbo “ver”.[6] O ídolo é uma “visão” que tende a tornar-se uma fixação, uma obsessão. Na realidade, o ídolo é uma projeção de nós mesmos nos objetos ou nos projetos. Por exemplo, é desta dinâmica que se serve a publicidade: não vejo o objeto em si, mas concebo aquele automóvel, aquele smartphone, aquele papel — ou outras coisas — como um meio para me realizar e responder às minhas necessidades essenciais. E procuro isto, falo disso, penso naquilo; a ideia de possuir tal objeto ou de realizar aquele projeto, alcançar essa posição, parece uma via maravilhosa para a felicidade, uma torre para chegar ao céu (cf. Gn 11, 1-9), e tudo se torna funcional para esta meta.

Então, entramos na segunda da fase: «Não te prostrarás diante delas». Os ídolos exigem um culto, rituais; a eles as pessoas prostram-se e sacrificam tudo. Faziam-se sacrifícios humanos aos ídolos na antiguidade, mas também hoje: pela carreira sacrificam-se os filhos, descuidando-os ou simplesmente deixando de os gerar; a beleza exige sacrifícios humanos. Quantas horas diante do espelho! Certas pessoas, determinadas mulheres, quanto gastam para se pintar! Também esta é uma idolatria. Não é negativo pintar-se, mas de modo normal, não para se tornar uma deusa. A beleza exige sacrifícios humanos. A fama requer a imolação de si mesmo, da própria inocência e autenticidade. Os ídolos pedem sangue. O dinheiro rouba a vida e o prazer leva à solidão. As estruturas económicas sacrificam vidas humanas para obter maiores lucros. Pensemos em tantas pessoas desempregadas. Porquê? Porque às vezes acontece que os empresários daquela empresa, dessa firma, decidiram despedir as pessoas, para ganhar mais dinheiro. O ídolo do dinheiro. Vive-se na hipocrisia, fazendo e dizendo o que os outros esperam, porque é o deus da própria afirmação que o impõe. E arruínam-se vidas, destroem-se famílias e abandonam-se jovens nas mãos de modelos arrasadores, contanto que aumente o lucro. Também a droga é um ídolo. Quantos jovens estragam a saúde, até a vida, adorando este ídolo da droga.

Aqui chegamos à terceira e mais trágica fase: «...e não lhes prestarás culto», diz. Os ídolos escravizam. Prometem a felicidade, mas não a dão; e passamos a viver por aquela coisa, por essa visão, arrebatados num vórtice autodestruidor, à espera de um resultado que nunca chega.

Caros irmãos e irmãs, os ídolos prometem a vida, mas na realidade tiram-na. O Deus verdadeiro não pede a vida, mas doa-a, concede-a. O Deus verdadeiro não oferece uma projeção do nosso sucesso, mas ensina a amar. O Deus verdadeiro não pede filhos, mas dá o seu Filho por nós. Os ídolos projetam hipóteses futuras e fazem desprezar o presente; o Deus verdadeiro ensina a viver na realidade de cada dia, no concreto, não com ilusões sobre o porvir: hoje, amanhã e depois de amanhã, a caminho do futuro. A concretude do Deus verdadeiro contra a liquidez dos ídolos. Hoje convido-vos a pensar: quantos ídolos tenho, ou qual é o meu ídolo preferido? Pois reconhecer as próprias idolatrias é um início da graça, e põe no caminho do amor. Com efeito, o amor é incompatível com a idolatria: se algo se torna absoluto e intocável, então é mais importante que um cônjuge, um filho ou uma amizade. O apego a um objeto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor. E assim, para ir atrás dos ídolos, de um ídolo, podemos chegar a renegar o pai, a mãe, os filhos, a esposa, o esposo, a família... as coisas mais queridas. O apego a um objeto ou a uma ideia torna-nos cegos ao amor. Levai isto no coração: os ídolos roubam-nos o amor, os ídolos tornam-nos cegos ao amor, e para amar autenticamente é preciso libertar-se de todos os ídolos. Qual é o meu ídolo? Elimina-o e lança-o da janela!

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Sala Paulo VI

Quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje continuemos a meditar sobre o Decálogo, aprofundando o tema da idolatria, acerca da qual falamos na semana passada. Agora retomemos o tema, porque é muito importante conhecê-lo. E inspiremo-nos precisamente no ídolo por excelência, o bezerro de ouro, do qual fala o Livro do Êxodo (32, 1-8), acabamos de ouvir um trecho dele. Este episódio tem um contexto específico: o deserto, onde o povo está à espera de Moisés, que subiu ao monte para receber as instruções de Deus.

O que é o deserto? É um lugar onde reinam a precariedade e a insegurança — no deserto não há nada — onde faltam água, alimento, abrigo. O deserto é uma imagem da vida humana, cuja condição é incerta e não possui garantias invioláveis. Esta insegurança gera no homem ansiedades primárias, que Jesus menciona no Evangelho: «Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos?» (Mt 6, 31). São as ansiedades primárias. E o deserto provoca tais ansiedades.

E naquele deserto acontece algo que desencadeia a idolatria. «Moisés tardava a descer da montanha» (Êx 32, 1). Permaneceu ali quarenta dias e o povo perdeu a paciência. Falta o ponto de referência que era Moisés: o líder, o chefe, o guia tranquilizador, e isto torna-se insustentável. Então, o povo pede um deus visível — esta é a armadilha na qual o povo cai — para poder identificar-se e orientar-se. E dizem a Araão: «Faz-nos um deus que marche à nossa frente!», “Faz-nos um chefe, um líder!”. Para evitar a precariedade — a precariedade é o deserto — a natureza humana procura uma religião “descartável”: se Deus não se deixa ver, fazemos para nós um deus sob medida. «Diante do ídolo, não corremos o risco de uma possível chamada que nos faça sair das próprias seguranças, porque os ídolos “têm boca, mas não falam” (Sl 115, 5). Compreendemos assim que o ídolo é um pretexto para se colocar a si mesmo no centro da realidade, na adoração da obra das próprias mãos» (Enc. Lumen fidei, 13).

Araão não sabe opor-se ao pedido do povo e cria um bezerro de ouro. No próximo Oriente antigo o bezerro tinha um sentido duplo: por um lado, representava fecundidade e abundância e por outro, energia e força. Mas antes de tudo é de ouro, por isso é símbolo de riqueza, sucesso, poder e dinheiro. São estes os grandes ídolos: sucesso, poder e dinheiro. São as tentações de sempre! Eis o que é o bezerro de ouro: o símbolo de todos os desejos que dão a ilusão da liberdade e, ao contrário, escravizam, porque o ídolo escraviza sempre. Há o fascínio, e tu deixas-te levar. Aquele fascínio da serpente, que fita o passarinho, o passarinho não consegue mover-se e a serpente apanha-o. Araão não soube opor-se.

Mas tudo nasce da incapacidade de confiar sobretudo em Deus, de voltar a colocar as nossas seguranças n’Ele, de deixar que Ele confira verdadeira profundidade aos desejos do nosso coração. Isto permite sustentar até a debilidade, a incerteza e a precariedade. A referência a Deus fortalece-nos na debilidade, na incerteza e até na precariedade. Sem primado de Deus caímos facilmente na idolatria e contentamo-nos com garantias míseras. Mas esta é uma tentação que nós lemos sempre na Bíblia. E pensai bem nisto: para Deus, não foi muito difícil libertar o povo do Egito; fê-lo com sinais de poder, de amor. Mas a grande obra de Deus foi tirar o Egito do coração do povo, ou seja, tirar a idolatria do coração do povo. E Deus ainda continua a agir para a tirar dos nossos corações. Esta é a grande obra de Deus: tirar “aquele Egito” que nós temos dentro, que é o fascínio da idolatria.

Quando se acolhe o Deus de Jesus Cristo, que de rico se fez pobre por nós (cf. 2 Cor 8, 9), descobre-se então que reconhecer a própria fraqueza não é a desgraça da vida humana, mas a condição para se abrir Àquele que é verdadeiramente forte. Assim, a salvação de Deus entra pela porta da debilidade (cf. 2 Cor 12, 10); é em virtude da própria insuficiência que o homem se abre à paternidade de Deus. A liberdade do homem nasce do deixar que o verdadeiro Deus seja o único Senhor. E isto permite aceitar a própria fragilidade e rejeitar os ídolos do nosso coração.

Nós, cristãos, dirigimos o olhar para Cristo Crucificado (cf. Jo 19, 37), que é frágil, desprezado e despojado de qualquer posse. Mas é n’Ele que se revela o rosto do Deus verdadeiro, a glória do amor, e não a do engano cintilante. Isaías diz: «Fomos curados graças às suas chagas» (53, 5). Fomos sarados precisamente pela fraqueza de um homem que era Deus, pelas suas feridas. E a partir das nossas debilidades podemos abrir-nos à salvação de Deus. A nossa cura vem d’Aquele que se fez pobre, que aceitou a falência, que assumiu até ao fundo a nossa precariedade para a encher de amor e de força. Ele vem para nos revelar a paternidade de Deus; em Cristo a nossa fragilidade já não é uma maldição, mas um lugar de encontro com o Pai e nascente de uma nova força do alto.

 

2º mandamento da Lei de Deus: Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus

Pronunciar o nome de Deus significa assumir sua realidade e assumir uma relação estreita com Ele.

Não pronunciar o nome em vão significa, para o Papa, não se apropriar do nome de Deus de modo vazio, hipócrita. Na Bíblia, o nome é a verdade íntima das coisas e, sobretudo das pessoas. Pronunciar o nome de Deus significa assumir sua realidade e uma relação estreita com Ele.

«Quem quer que seja pode invocar o santo nome do Senhor, que é Amor fiel e misericordioso, em qualquer situação que se encontre. Deus nunca dirá “não” a um coração que o invoca sinceramente».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Sala Paulo VI

Quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Continuemos as catequeses sobre os mandamentos, e hoje abordemos o mandamento «Não pronunciarás em vão o nome do Senhor, teu Deus» (Êx 20, 7). Lemos justamente esta Palavra como o convite a não ofender o nome de Deus e a evitar usá-lo inoportunamente. Este claro significado prepara-nos para aprofundar ulteriormente estas palavras preciosas, para não usar o nome de Deus em vão, inoportunamente.

Ouçamo-las melhor. A versão «Não pronunciarás» traduz uma expressão que significa literalmente, tanto em hebraico como em grego, «não assumirás, não te responsabilizarás».

A expressão «em vão» é mais clara e quer dizer: «debalde, inutilmente». Faz referência a uma embalagem vazia, a uma forma sem conteúdo. É a caraterística da hipocrisia, do formalismo e da mentira, do uso das palavras ou do nome de Deus em vão, sem verdade.

Na Bíblia, o nome é a verdade íntima das coisas e sobretudo das pessoas. O nome representa muitas vezes a missão. Por exemplo, Abraão no Génesis (cf. 17, 5) e Simão Pedro nos Evangelhos (cf. Jo 1, 42) recebem um nome novo para indicar a mudança no rumo da sua vida. E conhecer verdadeiramente o nome de Deus leva à transformação da própria vida: a partir do momento em que Moisés conhece o nome de Deus, a sua história muda (cf. Êx 3, 13-15).

Nos ritos judaicos, o nome de Deus é proclamado solenemente no Dia do Grande Perdão, e o povo é perdoado porque por meio do nome se entra em contacto com a vida do próprio Deus, que é misericórdia.

Então, “tomar sobre si o nome de Deus” quer dizer assumir sobre nós a sua realidade, entrar num relacionamento forte, numa relação íntima com Ele. Para nós, cristãos, este mandamento é a exortação a recordar-nos que somos batizados «em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo», como afirmamos cada vez que fazemos sobre nós o sinal da cruz, para viver as nossas ações quotidianas em comunhão sentida e real com Deus, ou seja, no seu amor. E sobre isto, de fazer o sinal da cruz, gostaria de repetir mais uma vez: ensinai as crianças a fazer o sinal da cruz. Vistes como as crianças o fazem? Se disserdes às crianças: “Fazei o sinal da cruz”, fazem algo que não sabem o que é. Não sabem fazer o sinal da cruz! Ensinai-as a fazer o nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. O primeiro ato de fé de uma criança. Dever para vós, tarefa a cumprir: ensinar as crianças a fazer o sinal da cruz.

Podemos interrogar-nos: é possível tomar sobre si o nome de Deus de maneira hipócrita, como uma formalidade, em vão? Infelizmente, a resposta é positiva: sim, é possível. Pode-se viver uma relação falsa com Deus. Jesus dizia-o referindo-se àqueles doutores da lei; eles faziam coisas, mas não cumpriam o que Deus queria. Falavam de Deus, mas não faziam a vontade de Deus. E o conselho que Jesus dá é: “Fazei aquilo que eles dizem, mas não o que eles fazem”. Pode-se viver uma relação falsa com Deus, como aquelas pessoas. E esta Palavra do Decálogo é precisamente o convite a uma relação com Deus que não seja falsa, sem hipocrisias, a uma relação em que nos confiamos a Ele com tudo o que somos. No fundo, enquanto não arriscarmos a existência pelo Senhor, tocando com a mão o facto de que nele se encontra a vida, faremos unicamente teorias.

Este é o cristianismo que sensibiliza os corações. Por que são os santos capazes de sensibilizar os corações? Porque os santos não só falam, movem! O nosso coração comove-se, quando uma pessoa santa nos fala, nos diz coisas. E são capazes, porque nos santos vemos aquilo que o nosso coração deseja profundamente: autenticidade, relacionamentos autênticos, radicalidade. E isto vê-se também naqueles “santos da porta ao lado” que são, por exemplo, os numerosos pais que dão aos filhos o exemplo de uma vida coerente, simples, honesta e generosa.

Se multiplicarmos os cristãos que assumem o nome de Deus sem falsidades — praticando assim o primeiro pedido do Pai-Nosso, «santificado seja o vosso nome» — o anúncio da Igreja é mais ouvido e resulta mais credível. Se a nossa vida concreta manifestar o nome de Deus, vê-se quanto é bonito o Batismo e que grande dádiva é a Eucaristia, quão sublime união existe entre o nosso corpo e o Corpo de Cristo: Cristo em nós, e nós nele! Unidos! Isto não é hipocrisia, é verdade. Isto não é falar nem rezar como um papagaio, isto é rezar com o coração, amar o Senhor.

A partir da cruz de Cristo, ninguém pode desprezar-se a si mesmo e pensar mal da própria existência. Ninguém e nunca! Independentemente daquilo que fez. Porque o nome de cada um de nós está sobre os ombros de Cristo. É Ele que nos carrega! Vale a pena tomar sobre nós o nome de Deus, porque Ele assumiu o nosso nome até ao fundo, inclusive o mal que existe em nós; Ele assumiu-o para nos perdoar, para infundir o seu amor no nosso coração. Por isso, neste mandamento Deus proclama: “Toma-me sobre ti, porque Eu te tomei sobre mim”.

Quem quer que seja pode invocar o santo nome do Senhor, que é Amor fiel e misericordioso, em qualquer situação que se encontre. Deus nunca dirá “não” a um coração que o invoca sinceramente. E voltemos às tarefas de casa: ensinar as crianças a fazer bem o sinal da cruz.

 

3º mandamento da Lei de Deus: Guardar os domingos e festas de guarda

Francisco aconselha fiéis a guardar os domingos e agradecer a Deus pela vida e pela criação.

Além de ser um dia de louvor e agradecimento a Deus pela vida e pela criação, é também um dia de se comemorar o fim da escravidão. Francisco esclareceu os muitos tipos de escravidão como opressões, violência, injustiça, bloqueios psicológicos, complexos, entre outros. O Papa destacou a importância de abrir-se à misericórdia de Deus para não sermos escravos de nós mesmos e desfrutar de um repouso autêntico.

«O amor verdadeiro é a liberdade autêntica: desapega da posse, reconstrói os relacionamentos, sabe acolher e valorizar o próximo, transforma em dom jubiloso todo o cansaço, tornando-nos capazes de comunhão. O amor liberta até na prisão, mesmo se somos frágeis e limitados».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

A viagem através do Decálogo leva-nos hoje ao mandamento sobre o dia do repouso. Parece um mandamento fácil de cumprir, mas é uma impressão errada. Descansar verdadeiramente não é simples, porque há o repouso falso e o repouso autêntico. Como podemos reconhecê-los?

A sociedade atual é sedenta de diversões e férias. A indústria da distração é deveras florescente e a publicidade desenha o mundo ideal como um grande parque de diversões onde todos se distraem. O conceito de vida hoje predominante não tem o baricentro na atividade e no empenho, mas na evasão. Ganhar para se divertir, para se satisfazer. A imagem-modelo é aquela de uma pessoa de sucesso, que pode permitir-se amplos e diferentes espaços de prazer. Mas esta mentalidade faz escorregar na insatisfação de uma existência anestesiada pela diversão, que não é repouso, mas alienação e fuga da realidade. O homem nunca descansou tanto como hoje, e no entanto o homem jamais experimentou tanto vazio como hoje! A possibilidade de se divertir, de sair, os cruzeiros, as viagens, muitas coisas não te proporcionam a plenitude do coração. Aliás, não te dão o repouso!

As palavras do Decálogo procuram e encontram o cerne do problema, lançando uma luz diferente sobre o que é o descanso. O mandamento tem um elemento peculiar: oferece uma motivação. O repouso em nome do Senhor tem um motivo específico: «Porque em seis dias o Senhor fez o céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, e repousou no sétimo dia; e por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o consagrou» (Êx 20, 11).

Isto remete para o fim da criação, quando Deus diz: «Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom» (Gn 1, 31). E então começa o dia do repouso, que é a alegria de Deus por aquilo que criou. É o dia da contemplação e da bênção!

Portanto, no que consiste o repouso, segundo este mandamento? No momento da contemplação, no momento do louvor, não da evasão. Trata-se do tempo para olhar a realidade e dizer: como é bonita a vida! Ao descanso como fuga da realidade, o Decálogo opõe o repouso como bênção da realidade. Para nós, cristãos, o centro do dia do Senhor, o domingo, é a Eucaristia, que significa “ação de graças”. É o dia para dizer a Deus: Senhor, obrigado pela vida, pela sua misericórdia, por todos os teus dons. O domingo não é o dia para anular os outros dias, mas para os recordar, bendizer e fazer as pazes com a vida. Quantas pessoas têm muitas possibilidades de se divertir, e não estão em paz com a vida! O domingo é o dia para fazer as pazes com a vida, dizendo: a vida é preciosa; não é fácil, às vezes é dolorosa, mas é preciosa.

Ser introduzido no repouso autêntico é uma obra de Deus em nós, mas exige que nos afastemos da maldição e da sua fascinação (cf. Exort. Apost. Evangelii gaudium, 83). Com efeito, é extremamente fácil convencer o coração à infelicidade, ressaltando motivos de descontentamento. A bênção e a alegria implicam uma abertura ao bem, que é um movimento adulto do coração. O bem é amoroso e nunca se impõe. Deve ser escolhido!

A paz escolhe-se, não pode ser imposta e não se encontra por acaso. Afastando-se das dobras amargas do seu coração, o homem tem necessidade de fazer as pazes com aquilo do que foge. É preciso reconciliar-se com a própria história, com os factos que não se aceitam, com as partes difíceis da própria existência. Pergunto-vos: cada um de vós se reconciliou com a própria história? Uma pergunta sobre a qual pensar: reconciliei-me com a minha história? Com efeito, a verdadeira paz não consiste em mudar a própria história, mas em aceitá-la e valorizá-la tal como é!

Quantas vezes encontramos cristãos doentes que nos consolaram com uma serenidade que não se encontra nos foliões, nem nos hedonistas! E vimos pessoas humildes e pobres regozijar com pequenas graças, com uma felicidade com sabor de eternidade!

No Deuteronómio, o Senhor diz: «Ponho diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade» (30, 19). Esta opção é o “fiat” da Virgem Maria, é uma abertura ao Espírito Santo que nos coloca nos passos de Cristo, Aquele que se entrega ao Pai no momento mais dramático, empreendendo assim o caminho que conduz à Ressurreição.

Quando se torna bela a vida? Quando se começa a pensar bem dela, seja qual for a nossa história. Quando o dom de uma dúvida abre caminho: que tudo seja graça [Como nos recorda Santa Teresa do Menino Jesus, tirada de G. Bernanos, Diario di un curato di campagna [“Diário de um Pároco de Aldeia”] Milão 1965, p. 270] e aquele santo pensamento fragmenta o muro interior da insatisfação, inaugurando o repouso autêntico. A vida torna-se bela quando se abre o coração à Providência e se descobre que é verdade aquilo que reza o Salmo: «Só em Deus repousa a minha alma» (62, 2). Como é bonita esta frase do Salmo: «Só em Deus repousa a minha alma»!

 

4º mandamento da Lei de Deus: Honrar Pai e Mãe

Papa fala sobre manifestar amor e dedicação aos pais.

O Pontífice explicou que honrar o pai e a mãe significa reconhecer a sua importância com gestos concretos, que manifestam dedicação, afeto e esmero. O Papa acrescentou que, embora nem todos os pais sejam bons e nem todas as infâncias sejam tranquilas, todos os filhos podem ser felizes no encontro com Deus.

«Honrar os pais: eles deram-nos a vida! Se tu te afastaste dos teus pais, faz um esforço e regressa, volta para eles; talvez sejam idosos... Eles deram-te a vida».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!

Na viagem no interior das Dez Palavras, hoje chegamos ao mandamento sobre o pai e a mãe. Fala-se da honra devida aos pais. Em que consiste esta “honra”? O termo hebraico indica a glória, o valor, à letra, o “peso”, a consistência de uma realidade. Não é questão de formas exteriores, mas de verdades. Nas Escrituras, honrar a Deus quer dizer reconhecer a sua realidade, fazer as contas com a sua presença; isto exprime-se também mediante os ritos, mas implica sobretudo atribuir a Deus o lugar certo na existência. Portanto, honrar o pai e a mãe significa reconhecer a sua importância até com gestos concretos, que manifestam dedicação, afeto e esmero. Mas não se trata apenas disto.

A Quarta Palavra tem uma sua caraterística: é o mandamento que contém um êxito. Com efeito, reza: «Honra teu pai e tua mãe, como te mandou o Senhor teu Deus, para que se prolonguem os teus dias e prosperes na terra que te deu o Senhor teu Deus» (Dt 5, 16). Honrar os pais leva a uma vida longa e feliz. No Decálogo, a palavra “felicidade” só aparece ligada ao relacionamento com os pais.

Esta sabedoria multimilenária declara aquilo que as ciências humanas souberam elaborar só há pouco mais de um século: ou seja, que a marca da infância se reflete sobre a vida inteira. Muitas vezes pode ser fácil entender se alguém cresceu num ambiente saudável e equilibrado. Mas igualmente perceber se uma pessoa provém de experiências de abandono ou de violência. A nossa infância é um pouco como uma tinta indelével, exprime-se nos gostos, nos modos de ser, não obstante alguns procurem esconder as feridas das próprias origens.

Mas o quarto mandamento diz ainda mais. Não fala da bondade dos pais, não exige que os pais e as mães sejam perfeitos. Fala de um gesto dos filhos, prescindindo dos méritos dos pais, e diz algo extraordinário e libertador: embora nem todos os pais sejam bons e nem todas as infâncias sejam tranquilas, todos os filhos podem ser felizes, porque o êxito de uma vida plena e feliz depende do justo reconhecimento por aqueles que nos deram a vida.

Pensemos como esta Palavra pode ser construtiva para tantos jovens que provêm de histórias de dor e para todos aqueles que sofreram na própria juventude. Muitos santos — e numerosos cristãos — depois de uma infância dolorosa, levaram uma vida luminosa porque, graças a Jesus Cristo, se reconciliaram com a vida. Pensemos no jovem Sulprizio, hoje Beato e no próximo mês Santo, que com 19 anos concluiu a sua vida reconciliado com muitas dores, com tantas situações, porque o seu coração estava sereno e nunca tinha renegado os seus pais. Pensemos em São Camilo de Lellis que, de uma infância desordenada, construiu uma vida de amor e de serviço; em Santa Josefina Bakhita, que cresceu numa escravidão horrível; ou no Beato Carlos Gnocchi, órfão e pobre; e no próprio São João Paulo II, marcado pela perda da mãe em tenra idade.

Independentemente da história da sua proveniência, o homem recebe deste mandamento a orientação que conduz a Cristo: com efeito, é n’Ele que se manifesta o verdadeiro Pai, que nos oferece o “renascimento do Alto” (cf. Jo 3, 3-8). Os enigmas das nossas vidas iluminam-se quando se descobre que Deus nos prepara desde sempre para uma vida como seus filhos, onde cada gesto é uma missão recebida d’Ele.

As nossas feridas começam a ser potencialidades quando, por graça, descobrimos que o verdadeiro enigma já não é “porquê?”, mas “por quem?”, por quem me aconteceu isto. Em vista de qual obra Deus me forjou, através da minha história? Aqui tudo se inverte, tudo se torna precioso, tudo se torna construtivo. A minha experiência, ainda que seja triste e dolorosa, à luz do amor, como se torna para os outros, para quem, fonte de salvação? Então, podemos começar a honrar os nossos pais com liberdade de filhos adultos e com misericordiosa aceitação dos seus limites.[1]

Honrar os pais: eles deram-nos a vida! Se tu te afastaste dos teus pais, faz um esforço e regressa, volta para eles; talvez sejam idosos... Eles deram-te a vida. Além disso, temos o hábito de proferir expressões feias, até palavrões... Por favor, nunca, nunca, nunca insulteis os pais de outrem. Jamais! Nunca se insulta a mãe, nunca se insulta o pai. Jamais! Tomai vós mesmos esta decisão interior: doravante, nunca insultarei a mãe ou o pai de alguém. Foram eles que lhe deram a vida! Não devem ser insultados.

Esta vida maravilhosa é-nos oferecida, não imposta: renascer em Cristo é uma graça a acolher livremente (cf. Jo 1, 11-13), e constitui o tesouro do nosso Batismo no qual, por obra do Espírito Santo, um só é o nosso Pai, aquele que está no Céu (cf. Mt 23, 9; 1 Cor 8, 6; Ef 4, 6). Obrigado!

 

5º mandamento da Lei de Deus: Não matar

A vida humana é preciosa, sagrada e inviolável.

O Santo Padre destacou que este mandamento revela que, aos olhos de Deus, a vida humana é preciosa, sagrada e inviolável. Ninguém pode desprezar a vida do outro ou a própria; o homem de fato carrega em si a imagem de Deus e é objeto do seu amor infinito, qualquer que seja a condição em que foi chamado à existência.

«Qual é a única medida autêntica da vida? É o amor, o amor com que Deus a ama! O amor com o qual Deus ama a vida: esta é a medida. O amor com que Deus ama cada vida humana».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Bom dia, estimados irmãos e irmãs!

A catequese de hoje é dedicada à quinta Palavra: não matarás. O quinto mandamento: não matarás. Já estamos na segunda parte do Decálogo, aquela que diz respeito às relações com o próximo; e este mandamento, com a sua formulação concisa e categórica, ergue-se como uma muralha em defesa do valor básico nos relacionamentos humanos. E qual é o valor fundamental nas relações humanas? O valor da vida.(1) Por isso, não matarás!

Poder-se-ia dizer que todo o mal cometido no mundo se resume nisto: o desprezo pela vida. A vida é agredida pelas guerras, pelas organizações que exploram o homem — lemos nos jornais ou vemos nos noticiários muitas coisas — a partir das especulações sobre a criação e da cultura do descarte, e de todos os sistemas que submetem a existência humana a cálculos de oportunidade, enquanto um número escandaloso de pessoas vive em condições indignas do homem. Isto significa desprezar a vida, ou seja, de certo modo, matar.

Uma abordagem contraditória permite também a supressão da vida humana no ventre materno, em nome da salvaguarda de outros direitos. Mas como pode ser terapêutico, civil ou simplesmente humano um ato que suprime a vida inocente e inerme no seu desabrochar? Pergunto-vos: é justo “eliminar” uma vida humana para resolver um problema? É correto contratar um sicário para resolver um problema? Não se pode, não é justo “eliminar” um ser humano, por mais pequenino que seja, para resolver um problema. É como pagar a um assassino para resolver um problema.

De onde vem tudo isto? No fundo, de onde nascem a violência e a rejeição da vida? Do medo. Com efeito, o acolhimento do outro é um desafio ao individualismo. Pensemos, por exemplo, em quando se descobre que uma vida nascente é portadora de deficiência, até grave. Nestes casos dramáticos, os pais precisam de verdadeira proximidade, de autêntica solidariedade, para enfrentar a realidade superando os compreensíveis temores. Ao contrário, muitas vezes recebem conselhos apressados para interromper a gravidez, ou seja, é um modo de dizer: “interromper a gravidez” significa “eliminar alguém” diretamente.

Uma criança doente é como qualquer necessitado da terra, como um idoso que precisa de assistência, como tantos pobres que têm dificuldade de ir em frente: aquele, aquela que se apresenta como um problema, na realidade constitui um dom de Deus, que pode tirar-me do egocentrismo e fazer-me crescer no amor. A vida vulnerável indica-nos a saída, o caminho para nos salvar de uma existência fechada em si mesma, e descobrir a alegria do amor. E aqui gostaria de parar para dar graças, agradecer a tantos voluntários, agradecer ao vigoroso voluntariado italiano, o mais forte que conheci. Obrigado!

E o que leva o homem a rejeitar a vida? São os ídolos deste mundo: o dinheiro — é melhor eliminar isto, porque custará — o poder, o sucesso. Estes são parâmetros errados para valorizar a vida. Qual é a única medida autêntica da vida? É o amor, o amor com que Deus a ama! O amor com o qual Deus ama a vida: esta é a medida. O amor com que Deus ama cada vida humana.

Com efeito, qual é o sentido positivo da Palavra: «Não matarás»? Que Deus é «amante da vida», como há pouco ouvimos da Leitura bíblica.

O segredo da vida é-nos revelado pelo modo como a tratou o Filho de Deus, que se fez homem a ponto de assumir na cruz a rejeição, a debilidade, a pobreza e a dor (cf. Jo 13, 1). Em cada criança enferma, em cada idoso débil, em cada migrante desesperado, em cada vida frágil e ameaçada, é Cristo que está à nossa procura (cf. Mt 25, 34-46), está em busca do nosso coração, para nos revelar a alegria do amor.

Vale a pena acolher todas as vidas, porque cada homem vale o sangue do próprio Cristo (cf. 1 Pd 1, 18-19). Não se pode desprezar o que Deus tanto amou!

Devemos dizer aos homens e às mulheres do mundo: não desprezeis a vida! A vida do próximo, mas inclusive a própria, porque também para ela é válido o mandamento: «Não matarás». É preciso dizer a tantos jovens: não desprezes a tua existência! Deixa de rejeitar a obra de Deus! Tu és uma obra de Deus! Não te subestimes, não te desprezes com as dependências, que te hão de arruinarão e te levarão à morte!

Que ninguém meça a vida segundo os enganos deste mundo, mas que cada qual se acolha a si mesmo e aos outros, em nome do Pai que nos criou. Ele é «amante da vida»: isto é bonito, “Deus é amante da vida”. E todos nós lhe somos tão queridos, que Ele enviou o seu Filho por nós. «Com efeito — diz o Evangelho — Deus amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu único Filho, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3, 16).

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Bom dia, queridos irmãos e irmãs!

Hoje gostaria de prosseguir a catequese sobre a quinta Palavra do Decálogo, «Não matarás». Como já salientamos, este mandamento revela que aos olhos de Deus a vida humana é preciosa, sagrada e inviolável. Ninguém pode desprezar a vida do próximo, nem sequer a própria; com efeito o homem traz em si a imagem de Deus e é objeto do seu amor infinito, independentemente da condição em que foi chamado à existência.

No trecho do Evangelho que há pouco ouvimos, Jesus revela-nos um sentido ainda mais profundo deste mandamento. Ele afirma que, diante do tribunal de Deus, até a ira contra o irmão é uma forma de homicídio. Por isso, o Apóstolo João escreverá: «Quem odeia o seu irmão é assassino» (1 Jo 3, 15). Mas Jesus não se limita a isto, e na mesma lógica acrescenta que até o insulto e o desprezo podem matar. E é verdade que nós estamos habituados a insultar. Em nós o insulto nasce espontâneo como se fosse um respiro. Mas Jesus diz-nos: “Detém-te, porque o insulto faz mal, mata!”. O desprezo. «Mas eu... desprezo esta gente”. E esta é uma forma de matar a dignidade de uma pessoa. Como seria bom se este ensinamento de Jesus entrasse na mente e no coração, e cada um de nós dissesse: “Nunca insultarei ninguém”. Seria um bom propósito, porque Jesus nos diz: “Olha, se tu desprezares, insultares, odiares, isto é um homicídio”.

Nenhum código humano equipara gestos tão diferentes, atribuindo-lhes o mesmo grau de juízo. E, coerentemente, Jesus convida até a interromper a oferenda do sacrifício no templo, se nos recordarmos que um irmão está ofendido connosco, a ir à sua procura para nos reconciliarmos com ele. Também nós, quando vamos à Missa, deveríamos ter esta atitude de reconciliação com as pessoas com as quais tivemos problemas. Só pensar mal delas, já é um insulto. Muitas vezes, enquanto esperamos que o sacerdote chegue para celebrar a Missa, bisbilhotamos um pouco e falamos mal do próximo. Mas não se pode fazer isto! Pensemos na gravidade do insulto, do desprezo, do ódio: Jesus coloca-os no nível do assassínio.

O que tenciona dizer Jesus, ampliando a tal ponto o âmbito da quinta Palavra? O homem tem uma vida nobre, muito sensível, e possui um eu recôndito não menos importante que o seu ser físico. Com efeito, para ofender a inocência de uma criança é suficiente uma frase inoportuna. Para ferir uma mulher, pode bastar um gesto de insensibilidade. Para partir o coração de um jovem, é suficiente negar-lhe a confiança. Para aniquilar um homem basta ignorá-lo. A indiferença mata. É como se disséssemos a outrem: “Para mim estás morto”, porque tu o mataste no teu coração. Não amar é o primeiro passo para matar; e não matar é o primeiro passo para amar.

No início da Bíblia lê-se aquela frase terrível que saiu dos lábios do primeiro homicida, Caim, depois de o Senhor lhe ter perguntado onde está o seu irmão. Caim respondeu: «Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9).(1) Assim falam os assassinos: “Não me diz respeito”, “são problemas teus”, e outras frases semelhantes. Procuremos responder a esta pergunta: somos nós os guardas dos nossos irmãos? Sim, somos! Somos guardas uns dos outros! E este é o caminho da vida, é a vereda do não-assassínio.

A vida humana precisa de amor. E qual é o amor autêntico? É aquele que Cristo nos mostrou, ou seja, a misericórdia. O amor ao qual não podemos renunciar é aquele que perdoa, que acolhe quem nos fez mal. Nenhum de nós pode sobreviver sem misericórdia; todos temos necessidade do perdão. Portanto, se matar significa destruir, suprimir, eliminar alguém, então não matar quer dizer cuidar, valorizar, incluir. E também perdoar.

Ninguém se pode iludir, pensando: “Estou tranquilo, pois não faço nada de mal”. Um mineral ou uma planta têm este tipo de existência, mas um homem não. Uma pessoa — um homem ou uma mulher — não! Exige-se mais de um homem ou de uma mulher. Há o bem a fazer, preparado para cada um de nós, cada qual o seu, que nos torna nós mesmos até ao fundo. “Não matarás” é um apelo ao amor e à misericórdia, é uma chamada a viver segundo o Senhor Jesus, que deu a vida por nós, e por nós ressuscitou. Certa vez repetimos todos juntos, aqui na Praça, uma frase dum Santo sobre isto. Talvez nos ajude: “Não praticar o mal é algo bom. Mas não praticar o bem não é bom”. Devemos praticar sempre o bem. Ir além!

Ele, o Senhor que, encarnando-se, santificou a nossa existência; Ele que, com o seu sangue, a tornou inestimável; Ele, «o Autor da vida» (At 3, 15), graças ao qual cada pessoa é um dom do Pai. N’Ele, no seu amor mais forte do que a morte, e pelo poder do Espírito que o Pai nos confere, podemos acolher a Palavra «Não matarás» como o apelo mais importante e essencial: ou seja, não matarás significa um apelo ao amor.

 

6º mandamento da Lei de Deus: Não pecar contra a castidade

Papa enfatiza que no amor autêntico não há espaço para a luxúria nem para a sua superficialidade.

O conselho imediato do Papa é a fidelidade e, segundo o Pontífice, nenhum relacionamento humano é autêntico sem lealdade. As suas palavras destacam que o corpo humano não é um instrumento de prazer, mas o lugar de chamada ao amor, e no amor autêntico não há espaço para luxúria nem para superficialidade.

«Uma vida tecida de fidelidade exprime-se em todas as dimensões e leva a ser homens e mulheres fiéis e confiáveis em todas as circunstâncias».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

No nosso itinerário de catequeses sobre os Mandamentos, hoje chegamos à sexta Palavra, que se refere à dimensão afetiva e sexual, e recita: «Não cometerás adultério».

A exortação imediata é à fidelidade e, com efeito, nenhum relacionamento humano é autêntico sem fidelidade e lealdade.

Não se pode amar só enquanto for “conveniente”; o amor manifesta-se precisamente além do limite da própria vantagem, quando se doa tudo incondicionalmente. Como afirma o Catecismo: «O amor quer ser definitivo. Não pode ser “até nova ordem”» (n. 1.646). A fidelidade é a caraterística da relação humana livre, madura, responsável. Até um amigo se demonstra autêntico, porque permanece tal em qualquer eventualidade, caso contrário não é um amigo. Cristo revela o amor autêntico, Ele que vive do amor ilimitado do Pai, e em virtude disto é o Amigo fiel que nos acolhe mesmo quando erramos e quer sempre o nosso bem, até quando não o merecemos.

O ser humano tem necessidade de ser amado sem condições, e quem não recebe este acolhimento tem em si uma certa incompletude, muitas vezes sem o saber. O coração humano procura preencher este vazio com sucedâneos, aceitando compromissos e mediocridades que só têm um gosto vago do amor. O risco consiste em chamar “amor” a relações acerbas e imaturas, com a ilusão de encontrar luz de vida em algo que, no melhor dos casos, é apenas um seu reflexo.

Assim acontece, por exemplo, que sobrestimamos a atração física, a qual em si é uma dádiva de Deus, mas finalizada a preparar o caminho para uma relação autêntica e fiel com a pessoa. Como dizia São João Paulo II, o ser humano «é chamado à plena e madura espontaneidade dos relacionamentos», que «é o fruto gradual do discernimento dos impulsos do próprio coração». É algo que se conquista, uma vez que cada ser humano, «com perseverança e coerência, deve aprender qual é o significado do corpo» (cf. Catequese, 12 de novembro de 1980).

Portanto, a chamada à vida conjugal exige um discernimento atento sobre a qualidade da relação e um período de noivado para a averiguar. A fim de aceder ao Sacramento do Matrimónio, os noivos devem amadurecer a certeza de que no seu vínculo está a mão de Deus, que os precede e acompanha, permitindo-lhes dizer: «Com a graça de Cristo, prometo ser-te sempre fiel». Não podem prometer-se fidelidade «na alegria e na dor, na saúde e na doença», nem amar-se e honrar-se todos os dias da sua vida, unicamente com base na boa vontade ou na esperança de que “isto funcione”. Precisam de se fundamentar no terreno firme do Amor fiel de Deus. E per isso, antes de receber o Sacramento do Matrimónio, é necessária uma preparação atenta, diria um catecumenato, porque a vida inteira depende do amor, e com o amor não se brinca. Não se pode definir “preparação para o casamento” três ou quatro encontros realizados na paróquia; não, isto não é preparação: é falsa preparação. E a responsabilidade de quem faz isto cai sobre ele: sobre o pároco, sobre o bispo que permite tais situações. A preparação deve ser madura e leva tempo. Não é um ato formal: é um Sacramento. Mas deve-se preparar com um verdadeiro catecumenato.

Com efeito, a fidelidade é um modo de ser, um estilo de vida. Trabalha-se com lealdade, fala-se com sinceridade, permanecendo fiel à verdade nos próprios pensamentos, nas próprias ações. Uma vida tecida de fidelidade exprime-se em todas as dimensões e leva a ser homens e mulheres fiéis e confiáveis em todas as circunstâncias.

Mas para chegar a uma vida tão bonita não é suficiente a nossa natureza humana, é preciso que a fidelidade de Deus entre na nossa existência, nos contagie. Esta sexta Palavra chama-nos a dirigir o olhar para Cristo que, com a sua fidelidade, pode tirar de nós um coração adúltero e doar-nos um coração fiel. N’Ele, e somente n’Ele, existe o amor sem reservas nem arrependimentos, a doação completa, sem parênteses, e a tenacidade do acolhimento total.

A nossa fidelidade deriva da sua morte e ressurreição, a constância nos relacionamentos deriva do seu amor incondicional. A comunhão entre nós e o saber viver na fidelidade os nossos vínculos derivam da comunhão com Ele, com o Pai e com o Espírito Santo.

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje gostaria de completar a catequese sobre a Sexta Palavra do Decálogo — “Não cometerás adultério” — evidenciando que o amor fiel de Cristo é a luz para viver a beleza da afetividade humana. Com efeito, a nossa dimensão afetiva é uma chamada ao amor, que se manifesta na fideliade, no acolhimento e na misericórdia. Isto é muito importante. Como se manifesta o amor? Na fidelidade, no acolhimento e na misericórdia.

Contudo, não se deve esquecer que este mandamento se refere explicitamente à fidelidade matrimonial, e portanto é bom refletir mais a fundo acerca do significado esponsal. Este trecho da Escritura, este excerto da Carta de São Paulo, é revolucionário! Refletir, com a antropologia daquele tempo, e dizer que o marido tem que amar a esposa como Cristo ama a Igreja: mas é uma revolução! Talvez, naquela época, seja o aspeto mais revolucionário que foi dito acerca do matrimónio. Sempre pelo caminho do amor. Podemos questionar-nos: a quem se destina este mandamento de fidelidade? Só aos esposos? Na realidade, este mandamento é para todos, é uma Palavra paterna de Deus dirigida a cada homem e mulher.

Recordemo-nos que o caminho da maturação humana é o próprio percurso do amor que vai do receber cuidados à capacidade de oferecer cuidados, do receber a vida à capacidade de dar a vida. Tornar-se homens e mulheres adultos significa chegar a viver a capacidade esponsal e parental, que se manifesta nas várias situações da vida como a capacidade de assumir sobre si o peso de outra pessoa e amá-la sem ambiguidades. Trata-se, por conseguinte, de uma atitude global da pessoa que sabe assumir a realidade e sabe entrar numa relação profunda com os demais.

Por conseguinte, quem é o adúltero, o luxurioso, o infiel? É uma pessoa imatura, que conserva para si a própria vida e interpreta as situações com base no seu bem-estar e satisfação. Portanto, para se casar, não é suficiente celebrar o matrimónio! É necessário percorrer um caminho do eu para o nós, do pensar sozinho para o pensar a dois, do viver sozinho para o viver a dois: é um bonito percurso, é um bonito percurso. Quando conseguimos descentralizar-nos, então cada ação é esponsal: trabalhamos, falamos, decidimos, encontramos os outros com a atitude acolhedora e oblativa.

Cada vocação cristã, neste sentido — agora podemos alargar um pouco a perspectiva e dizer que qualquer vocação cristã, neste sentido, é esponsal. É o caso do sacerdócio, porque é uma chamada, em Cristo e na Igreja, a servir a comunidade com todo o afeto, o cuidado concreto e a sabedoria que o Senhor concede. A Igreja não precisa de candidatos para desempenhar o papel de sacerdotes — não, não servem, é melhor que fiquem em casa — mas servem homens aos quais o Espírito Santo toca o coração com um amor sem reservas pela Esposa de Cristo. No sacerdócio ama-se o povo de Deus com toda a paternidade, a ternura e a força de um esposo e de um pai. Assim também a virgindade consagrada em Cristo deve ser vivida com fidelidade e alegria como relação esponsal e fecunda de maternidade e paternidade.

Repito: cada vocação cristã é esponsal, pois é fruto do vínculo de amor no qual todos somos regenerados, o vínculo de amor com Cristo, como nos recordou o trecho de Paulo lido no início. A partir da sua fidelidade, da sua ternura, da sua generosidade olhemos com fé para o matrimónio e para cada vocação, e compreendamos o sentido pleno da sexualidade.

A criatura humana, na sua inseparável unidade de espírito e corpo, e na sua polaridade masculina e feminina, é uma realidade muito boa, destinada a amar e a ser amada. O corpo humano não é um instrumento de prazer, mas o lugar da nossa chamada ao amor, e no amor autêntico não há espaço para a luxúria nem para a sua superficialidade. Os homens e as mulheres merecem mais do que isto!

Portanto, a Palavra «Não cometerás adultério», mesmo se em forma negativa, orienta-nos para a nossa chamada originária, ou seja, para o amor esponsal total e fiel, que Jesus Cristo nos revelou e doou (cf. Rm 12, 1).

 

7º mandamento da Lei de Deus: Não roubar

Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade.

O Santo Padre falou sobre o respeito pela propriedade alheia. Ele lembrou que, na Doutrina Social da Igreja, fala-se do destino universal dos bens; como diz o Catecismo, Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade.

«Não roubarás quer dizer: ama com os teus bens, tira proveito dos teus meios para amar como podes. Então, a tua vida torna-se boa e a posse torna-se verdadeiramente uma dádiva. Pois a vida não é o tempo para possuir, mas para amar».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!

Continuando a explicação do Decálogo, hoje chegamos à sétima Palavra: «Não roubarás».

Ouvindo este mandamento, pensamos no tema do roubo e no respeito pela propriedade alheia. Não existe cultura na qual o furto e a prevaricação dos bens sejam lícitos; com efeito, a sensibilidade humana é muito suscetível relativamente à defesa da posse.

Mas vale a pena abrir-se a uma leitura mais ampla desta Palavra, focalizando o tema da propriedade dos bens à luz da sabedoria cristã.

Na doutrina social da Igreja fala-se de destino universal dos bens. Que significa? Ouçamos o que diz o Catecismo: «No princípio, Deus confiou a terra e os seus recursos à gestão comum da humanidade, para que dela cuidasse, a dominasse pelo seu trabalho e gozasse dos seus frutos. Os bens da criação são destinados a todo o género humano» (n. 2.402). E ainda: «O destino universal dos bens continua a ser primordial, embora a promoção do bem comum exija o respeito pela propriedade privada, pelo direito a ela e pelo respetivo exercício» (n. 2.403).(1) –

1 Cf. Enc. Laudato si’, 67: «Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, “ao Senhor pertence a terra” (Sl 24 [23], 1), a Ele pertence “a terra e tudo o que nela existe” (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbe-nos toda a pretensão de posse absoluta: “Nenhuma terra será vendida definitivamente, porque a terra me pertence, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes” (Lv 25, 23)».

No entanto, a Providência não dispôs um mundo “em série”; existem diferenças, variadas condições, diferentes culturas, de modo que se pode viver provendo uns aos outros. O mundo é rico de recursos para assegurar os bens primários a todos. E contudo, muitos vivem numa indigência escandalosa e os recursos, usados sem critério, vão-se deteriorando. Mas o mundo é um só! (2) A humanidade é única! Hoje, a riqueza do mundo está nas mãos da minoria, de poucos, e a pobreza, aliás, a miséria e o sofrimento atingem tantos, a maioria.

2 Cf. São Paulo VI, Enc. Populorum progressio, 17: «Mas cada homem é membro da sociedade: pertence à humanidade inteira. Não é apenas tal ou tal homem; são todos os homens, que são chamados a este pleno desenvolvimento [...] Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós para aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever».

Se há fome na terra, não é porque falta alimento! Ao contrário, devido às exigências do mercado, às vezes chega-se a destruí-lo, a deitá-lo fora. O que falta é um empresariado livre e clarividente, que garanta uma produção adequada, e uma abordagem solidária, que garanta uma distribuição equitativa. O Catecismo diz ainda: «Quem usa esses bens, não deve considerar as coisas exteriores, que legitimamente possui, só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar, não só a si mesmo, mas também aos outros» (n. 2.404). Para ser boa, toda a riqueza deve ter uma dimensão social.

É nesta perspectiva que se revela o significado positivo e amplo do mandamento «não roubarás». «A propriedade de um bem faz do seu detentor um administrador da Providência» (ibid.). Ninguém é senhor absoluto dos bens: é um administrador dos bens. A posse é uma responsabilidade: “Mas eu sou rico de tudo...” — esta é uma responsabilidade que tens. E cada bem subtraído à lógica da Providência de Deus é atraiçoado, é traído no seu sentido mais profundo. O que realmente possuo é aquilo que sei doar. Esta é a medida para avaliar como consigo gerir as riquezas, se bem ou mal; esta palavra é importante: o que realmente possuo é aquilo que sei doar. Se eu souber doar, se for aberto, então sou rico não apenas daquilo que possuo, mas também em generosidade, generosidade inclusive como dever de distribuir a riqueza, a fim de que todos beneficiem dela. Com efeito, se não consigo doar algo é porque o bem que possuo tem poder sobre mim e sou escravo dele. A posse dos bens constitui uma ocasião para os multiplicar com criatividade e utilizá-los com generosidade, e assim crescer em caridade e liberdade.

Mesmo sendo Deus, o próprio Cristo «não considerou como uma usurpação ser igual a Deus, mas aniquilou-se a si mesmo» (Fl 2, 6-7), enriquecendo-nos com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9).

Enquanto a humanidade fadiga para ter mais, Deus redime-a tornando-se pobre: aquele Homem Crucificado pagou por todos um resgate inestimável da parte de Deus Pai, «rico em misericórdia» (Ef 2, 4; cf. Tg 5, 11). O que nos torna ricos não são os bens, mas o amor. Ouvimos muitas vezes aquilo que o povo de Deus diz: “O diabo entra pelos bolsos”. Começa-se pelo amor ao dinheiro, pela fome de possuir; depois, vem a vaidade: “Ah, eu sou rico e tenho orgulho disto”; e, no final, o orgulho e a soberba. É assim que o diabo age em nós. Mas a porta de entrada são os bolsos!

Estimados irmãos e irmãs, Jesus Cristo revela-nos mais uma vez o pleno sentido das Escrituras. «Não roubarás» quer dizer: ama com os teus bens, tira proveito dos teus meios para amar como podes. Então, a tua vida torna-se boa e a posse torna-se verdadeiramente uma dádiva. Pois a vida não é o tempo para possuir, mas para amar. Obrigado!

 

8º mandamento da Lei de Deus: Não levantar falso testemunho

Onde há mentira não há amor, não pode haver amor.

Este mandamento — segundo o Catecismo — proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Viver de comunicações não autênticas é grave, porque impede os relacionamentos e, por conseguinte, também o amor. Onde há mentira não há amor; não pode haver amor.

«Não levantar falso testemunho significa viver como filho de Deus, nunca se desmente, jamais diz mentiras; viver como filhos de Deus, deixando sobressair em cada gesto esta grande verdade: que Deus é Pai e que podemos confiar n’Ele».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Bom dia, queridos irmãos e irmãs!

Na catequese de hoje abordaremos a oitava Palavra do Decálogo: «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo».

Este mandamento — reza o Catecismo — «proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem» (n. 2.464). Viver de comunicações não autênticas é grave, porque impede os relacionamentos e, por conseguinte, também o amor. Onde há mentira não há amor, não pode haver amor. E quando falamos de comunicação entre as pessoas, entendemos não apenas as palavras, mas inclusive os gestos, as atitudes, até os silêncios e as ausências. Uma pessoa fala com tudo aquilo que é e que faz. Todos nós estamos em comunicação, sempre. Todos nós vivemos comunicando e estamos continuamente em equilíbrio entre a verdade e a mentira.

Mas o que significa dizer a verdade? Significa ser sincero? Ou exato? Na realidade, isto não é suficiente, porque podemos estar sinceramente em erro, ou podemos ser exatos no detalhe, mas não entender o sentido do conjunto. Às vezes justificamo-nos dizendo: “Mas eu disse o que sentia!”. Sim, mas absolutizaste o teu ponto de vista. Ou então: “Eu simplesmente disse a verdade!”. Talvez, mas revelaste dados pessoais ou reservados. Quantas bisbilhotices destroem a comunhão por inoportunidade ou falta de delicadeza! Aliás, os mexericos matam, e quem o disse foi o Apóstolo Tiago na sua Carta. Os tagarelas, as tagarelas são pessoas que matam: matam o próximo, porque a língua mata como uma facada. Estai atentos! Um bisbilhoteiro ou uma bisbilhoteira é um terrorista, pois com a sua língua lança a bomba e vai embora tranquilo, mas aquilo que diz aquela bomba lançada destrói a reputação de outrem. Não vos esqueçais: mexericar significa matar.

Mas então: o que é a verdade? Eis a pergunta formulada por Pilatos, precisamente quando Jesus, diante dele, realizava o oitavo mandamento (cf. Jo 18, 38). Com efeito, as palavras «Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo» pertencem à linguagem forense. Os Evangelhos culminam na narração da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus; e esta é a narração de um processo, da execução da sentença e de uma consequência inaudita.

Interrogado por Pilatos, Jesus diz: «Foi para dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo: para dar testemunho da verdade» (Jo 18, 37). E Jesus dá este «testemunho» mediante a sua Paixão e Morte. O Evangelista Marcos narra que «o centurião que estava diante de Jesus, ao ver que Ele tinha expirado assim, disse: “Este homem era realmente o Filho de Deus!”» (15, 39). Sim, porque era coerente, foi coerente: com esse seu modo de morrer, Jesus manifesta o Pai, o seu amor misericordioso e fiel.

A verdade encontra a sua plena realização na própria pessoa de Jesus (cf. Jo 14, 6), no seu modo de viver e de morrer, fruto da sua relação com o Pai. Ele, Ressuscitado, oferece também a nós esta existência de filhos de Deus, enviando o Espírito Santo, que é Espírito de verdade, o qual confirma ao nosso coração que Deus é nosso Pai (cf. Rm 8, 16).

Em cada um dos seus gestos, o homem, as pessoas afirmam ou negam esta verdade. Desde as pequenas situações diárias até às escolhas mais exigentes. Mas é a mesma lógica, sempre: aquele que os pais e os avós nos ensinam, quando nos dizem para não mentir.

Questionemo-nos: quais obras, palavras e escolhas de nós cristãos comprovam a verdade? Cada um pode perguntar-se: sou uma testemunha da verdade, ou sou mais ou menos um mentiroso disfarçado de verdadeiro? Cada qual se interrogue. Nós cristãos não somos homens e mulheres extraordinários. No entanto, somos filhos do Pai celestial, que é bom e não nos desilude, instilando no nosso coração o amor pelos irmãos. Esta verdade não se diz tanto com discursos, é um modo de existir, uma maneira de viver, que se vê em cada gesto (cf. Tg 2, 18). Este homem é verdadeiro, aquela mulher é verdadeira: vê-se! Mas como, se não abre a boca? Contudo, comporta-se como verdadeiro, como verdadeira. Diz a verdade, age de modo verdadeiro. Um bom modo de vivermos!

A verdade é a maravilhosa revelação de Deus, da sua Face de Pai, é o seu amor ilimitado. Esta verdade corresponde à razão humana mas supera-a infinitamente, porque constitui um dom que desceu sobre a terra e se encarnou em Cristo Crucificado e Ressuscitado; ela é revelada por quem lhe pertence e tem as suas mesmas atitudes.

Não levantarás falso testemunho significa viver como filho de Deus, que nunca, nunca se desmente, jamais diz mentiras; viver como filhos de Deus, deixando sobressair em cada gesto esta grande verdade: que Deus é Pai e que podemos confiar n’Ele. Eu confio em Deus: esta é a grande verdade. Da nossa confiança em Deus, que é Pai e me ama, nos ama, nasce a minha verdade, o ser verdadeiro e não mentiroso.

 

9º e 10º mandamento da Lei de Deus: Não cobiçarás a mulher […], nem coisa alguma que pertença ao teu próximo

É necessário abrir-se à relação com Deus, na verdade e na liberdade: só assim as nossas fadigas podem dar fruto, porque é o Espírito Santo que nos leva em frente.

O Papa explicou que estes mandamentos evidenciam o fato de que todas as transgressões nascem de uma raiz interior comum: os desejos malévolos que saem do coração do homem. Para o Santo Padre, estes mandamentos sobre os desejos mostram nossa pobreza e nos conduzem a uma santa humilhação.

«Felizes aqueles que deixam de se iludir, julgando que se podem salvar da própria debilidade sem a misericórdia de Deus, a única que pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração».

 

PAPA FRANCISCO - AUDIÊNCIA GERAL - Praça São Pedro

Quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!

Os nossos encontros sobre o Decálogo levam-nos hoje ao último mandamento. Ouvimo-lo na introdução. Estas não são as últimas palavras do texto, mas muito mais: são o cumprimento da viagem através do Decálogo, tocando o coração de tudo aquilo que nele nos é transmitido. Com efeito, vendo bem, não acrescentam um conteúdo novo: as indicações «não cobiçarás a mulher [...], nem coisa alguma que pertença ao teu próximo» estão pelo menos latentes nos mandamentos sobre o adultério e sobre o furto; então, qual é a função destas palavras? É um resumo? É algo mais?

Recordemos que todos os mandamentos têm a tarefa de indicar o confim da vida, o limite para além do qual o homem se destrói a si mesmo e ao próximo, danificando a sua relação com Deus. Se fores mais além, destruir-te-ás a ti mesmo, destruirás também a relação com Deus e o relacionamento com os outros. Os mandamentos indicam isto. Através desta última palavra põe-se em evidência o facto de que todas as transgressões nascem de uma comum raiz interior: os desejos maléficos. Todos os pecados nascem de um desejo maligno. Todos! É ali que o coração começa a mover-se; assim a pessoa entra naquela onda e acaba numa transgressão. Mas não numa transgressão formal, legal: numa transgressão que fere a si mesmo e ao próximo.

No Evangelho, o Senhor Jesus diz explicitamente: «É do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem» (Mc 7, 21-23).

Portanto, compreendemos que todo o percurso feito pelo Decálogo não teria utilidade alguma, se não chegasse a alcançar este nível, o coração do homem. De onde nascem todas estas perversidades? O Decálogo mostra-se lúcido e profundo a tal propósito: o seu ponto de chegada — o último mandamento — é o coração; e se ele, se o coração não for libertado, o resto de nada serve. Eis o desafio: libertar o coração de todas estas perversidades. Os preceitos de Deus podem reduzir-se unicamente à bonita fachada de uma vida que, contudo, permanece uma existência de escravos, não de filhos. Frequentemente, por detrás da máscara farisaica da retidão asfixiante esconde-se algo de perverso e não resolvido.

Pelo contrário, devemos deixar-nos desmascarar por estes mandamentos sobre a cobiça, porque nos mostram a nossa pobreza, para nos levar a uma santa humilhação. Cada um de nós pode interrogar-se: mas quais desejos malvados tenho com frequência? A inveja, a cobiça, as tagarelices? Todos estes vícios que procedem de dentro. Cada um pode questionar-se, e isto far-lhe-á bem. O homem precisa desta bendita humilhação, aquela pela qual descobre que não se pode libertar sozinho, aquela pela qual clama a Deus para ser salvo. São Paulo explica-o de modo insuperável, referindo-se exatamente ao mandamento não cobiçarás (cf. Rm 7, 7-24).

É inútil pensarmos que nos podemos corrigir a nós mesmos, sem o dom do Espírito Santo. É inútil pensarmos em purificar o nosso coração unicamente com o esforço titânico da nossa vontade: isto não é possível. É necessário abrir-se à relação com Deus, na verdade e na liberdade: só assim as nossas fadigas podem dar fruto, porque é o Espírito Santo que nos leva em frente.

A tarefa da Lei bíblica não consiste em iludir o homem que uma obediência literal o leva a uma salvação artificial e, de resto, inatingível. A tarefa da Lei consiste em conduzir o homem à sua verdade, ou seja, à sua pobreza, que se torna abertura autêntica, abertura pessoal à misericórdia de Deus, que nos transforma e nos renova. Deus é o único capaz de renovar o nosso coração, contanto que lhe abramos o coração: eis a única condição; Ele faz tudo, mas devemos abrir-lhe o coração.

As últimas palavras do Decálogo educam todos a reconhecer-se mendigos; ajudam a colocar-nos diante da desordem do nosso coração, para deixarmos de viver de modo egoísta e para nos tornarmos pobres de espírito, autênticos na presença do Pai, deixando-nos redimir pelo Filho e instruir pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é o Mestre que nos guia: deixemo-nos ajudar. Sejamos mendigos, peçamos esta graça!

«Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus!» (Mt 5, 3). Sim, felizes aqueles que deixam de se iludir, julgando que se podem salvar da própria debilidade sem a misericórdia de Deus, a única que pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração. Ditosos aqueles que reconhecem os seus desejos malvados e, com um coração arrependido e humilhado, não se apresentam a Deus e aos outros homens como pessoas justas, mas como pecadores. É bonito o que Pedro disse ao Senhor: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador”. Como é bonito este pedido: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador”.

Estas pessoas sabem ter compaixão, misericórdia pelos outros, porque a experimentam em si mesmos.

 

TEXTO 03

O ritual da Iniciação Cristã de Adultos

(Fonte: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários. Edições CNBB, 2017, nn.116 - 122)

 

Na cultura hodierna (CT n. 57; DGC, n. 110) [1], a Igreja necessita de processos de iniciação para evangelizar e formar discípulos missionários que, de fato, assumam o projeto do Reino. Já em vista da Segunda Semana Brasileira de Catequese (2001), um Estudo da CNBB sobre catequese com adultos afirmava: “é importante aprofundar o conceito de iniciação. Nossa sociedade moderna e pós-moderna perdeu, quase por completo, o elemento cultural da iniciação, tão radicado em outras culturas” (CNBB-GRECAT. Catequese adulta: texto-base elaborado por ocasião da 2ª. Semana Brasileira de Catequese. Estudo CNBB 80. São Paulo Paulus, 2001, n. 102-103). O Documento de Aparecida, por sua vez, é enfático ao falar da urgência de assumir o processo iniciático na evangelização: “ou educamos na fé, colocando as pessoas realmente em contato com Jesus Cristo e convidando-as para seu seguimento, ou não cumpriremos nossa missão evangelizadora” (CELEM, Documento de Aparecida, n. 287).

A Igreja a partir do Concílio Vaticano II, propõe a experiência catecumenal, a ser adaptada com características adequadas ao nosso tempo. Temos um processo que serve de inspiração, exposto no RICA, dividido em quatro tempos, denominados pré-catecumenato (evangelização ou primeiro anúncio), catecumenato, iluminação e purificação e mistagogia (DNC, 45-50)[2]. A passagem de um tempo para o outro é marcada por três momentos celebrativos, denominados etapas: 1) o rito de admissão ao catecumenato; 2) o rito da eleição ou inscrição do nome dos que irão celebrar os sacramentos da Iniciação; e 3) a celebração desses sacramentos. E há também os ritos das bençãos, entregas, exorcismos, escrutínios (ritos de transição), que acontecem ao longo de todo o processo., como vemos a seguir:


Ao falarmos sobre o RICA, queremos fazer uma apresentação essencial que permita propor algumas reflexões teológicas relativas ao sentido da Iniciação à Vida Cristã, buscando superar as deficiências das rotinas da sacramentalização sem o devido preparo.

O RICA não é um livro catequético, centrado no conteúdo doutrinal a ser transmitido, mas sim um livro litúrgico com ritos, orações e celebrações. Entretanto, esse livro dá uma visão inspiradora de uma catequese que realmente envolva a pessoa no seguimento de Jesus Cristo, a serviço do Reino, expresso na vivência dos sacramentos do Batismo, da Eucaristia e da Crisma.

Hoje, a Igreja assume o compromisso de evangelizar adultos que não passaram pelo processo de Iniciação à Vida Cristã; aí estão incluídos os que, embora batizados, se afastaram da Igreja ou que se apresentam com formação insuficiente. O RICA tornou-se não apenas o Ritual para o Batismo de adultos, mas descreve, em seu primeiro e principal capítulo, o longo caminho mistagógico e catequético que um adulto deve percorrer para sua plena iniciação cristã, culminando no Batismo, na Crisma e na Eucaristia.

A Igreja propõe que também para os jovens, adolescentes e crianças sejam oferecidos processos de Iniciação à Vida Cristã com inspiração catecumenal. Para isso, já existem alguns itinerários catequéticos adaptados às várias idades, inspirados no RICA, com tempos, objetivos, passos, eixos temáticos, celebrações e outras indicações práticas. Tal inspiração no RICA levará o processo catequético a: integrar a comunidade; relacionar-se ao mistério pascal e ao ano litúrgico; unir fé, liturgia, vida e oração; incluir etapas definidas, ritos, símbolos e sinais, especialmente bíblicos e litúrgicos; relacionar melhor os sacramentos do Batismo, da Crisma e da Eucaristia; e dialogar com a cultura local. De tal maneira que seja uma verdadeira “escola da fé”.

Com o RICA, a mistagogia fica consagrada como essencial no processo de Iniciação à Vida Cristã. Nesse sentido, “iniciar” é um processo muito mais profundo e existencial do que “ensinar”. Ao longo desse processo iniciático, particularmente no segundo tempo do itinerário catecumenal, se realiza a catequese propriamente dita, como tempo de converso, assimilação do Evangelho e aprendizagem da fé.

  

TEXTO 04

 RAÍZES MISTAGÓGICAS DA LITURGIA CRISTÃ

Thiago Aparecido Faccini*

Revista Eletrônica Espaço Teológico ISSN 2177-952X. Vol. 8, n. 14, jul/dez, 2014, p. 262-273

In.: https://revistas.pucsp.br/index.php/reveleteo

 

INTRODUÇÃO

A liturgia é a vida, o centro, a fonte e o cume para onde convergem todas as ações da Igreja1. A palavra Lit + urgia vem da língua grega: laos = povo e ergon = ação, trabalho, serviço, ofício, ou seja, a liturgia é a ação do povo”, serviço da parte do povo e em favor do povo”. Na tradição cristã, significa que o povo de Deus torna parte na obra de Deus. Pela Liturgia, Cristo, nosso redentor e sumo sacerdote, continua em sua Igreja, com ela e por ela, a obra da redenção.

Nenhuma comunidade vive sem a celebração da liturgia, pois ela é essencial na vida da comunidade2. Nesse sentido as ações rituais devem ser bem entendidas e preparadas com zelo e carinho. As liturgias bem celebradas inserem as pessoas através da ação simbólico-ritual na vivência do mistério pascal de Cristo. Porém no segundo milênio da cristã, a liturgia perdeu muito do que era característico da sua origem. Tantas coisas desnecessárias foram inseridas nas igrejas (espaço litúrgico), e o que era essencial e de grande valor simbólico foi deixado de lado, ou esquecido.

Outro fator importante é que neste mesmo período (segundo milênio), a passou a ser por demais racionalizada, ou seja, o que antes era vivido, experienciado, depois compreendido nas escolas catequéticas, passou a ser estudado, depois vivido, havendo uma inversão de valores.

O presente trabalho busca apresentar um caminho para resgatar aquilo que é essencial na fé, a partir da vivência mistagógica da liturgia, inserindo o catecúmeno na prática ritual-celebrativa da vivência da comunitária.

 

1. CONCEITO DE MISTAGOGIA

Cinquenta anos após o Concílio Ecumênico Vaticano II, que propôs a volta às fontes do cristianismo, aprofundaremos na compreensão e o resgate do termo mistagogia, palavra muito comum e usual principalmente pelos Padres da Igreja dos séculos II a IV.

O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), reformado por decreto do Concílio Vaticano II3, e promulgado pelo Papa Paulo VI, incorporou a mistagogia como o último de seus quatro tempos, a

ser realizado durante todo tempo pascal como finalidade da recolha da experiência e dos frutos da vida cristã e o convívio com a comunidade, estabelecendo e criando laços4.

"Porém, a mistagogia não fica restrita a este tempo específico, chamado pelo ritual de “mistagogia dos neófitos”, ou seja, dos recém-batizados. Tanto o DGC (Diretório Geral de Catequese), quanto o DNC (Diretório Nacional de Catequese), insistem na dimensão mistagógica de toda a formação cristã. O Papa João Paulo II disse: É mister [...] que os Pastores encontrem a maneira de fazer com que o sentido do mistério penetre nas consciências, redescobrindo e praticando a arte mistagógica’, tão querida pelos Padres da Igreja"5.

Mais que um tempo como proposto pelo RICA, mistagogia pode ser entendido como um método utilizado com muito sucesso nos primeiros séculos. Descobrir o significado do termo mistagogia e sua compreensão grega nos ajudará a entender melhor, como veremos a seguir.

1.1. O TERMO MISTAGOGIA E SUA COMPREENSÃO GREGA

O termo Mistagogia é uma palavra derivada da língua grega e é composto de duas partes: ‘mist (vem de ‘mistério’) + ‘agogia’ (tem a ver com ‘conduzir’, ‘guiar’...) Assim pode-se traduzir mistagogia como: a ação de guiar, conduzir, para dentro do mistério, ou ainda, ação pela qual o mistério nos conduz. Etimologicamente possui o sentido de ser conduzido para o interior dos mistérios. [...] Na antiguidade cristã, o termo designa, sobretudo, a explicação teológica e simbólica dos ritos litúrgicos da iniciação, em particular do Batismo e da Eucaristia6.

Os padres gregos usam os termos mystagôgéô (introduzo ao mistério) e mystagôgia (introdução aos mistérios), ao recordarem a iniciação sacramental7.

Estes termos eram aplicados em diferentes situações e significados:

- como introdução aos mistérios; 

- como iniciação ao mistério do Batismo e da Eucaristia;

- como a revelação na Bíblia;

O termo mistagogia se apresenta como referência não apenas com relação aos sacramentos de Iniciação, ao se dedicar a iniciar aos mistérios e ou explicá-los depois de havê-los experimentado, como no caso das catequeses mistagógicas de Cirilo de Jerusalém, João Crisóstomo, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa, Ambrósio de Milão, mas também por constituir atenta, minuciosa e às vezes complexa, explicação de cada palavra e gesto. A Bíblia com seus textos e alusões, a liturgia com o simbolismo de seus ritos.

"O método mistagógico usado pelos Padres identifica três elementos: a valorização dos símbolos na liturgia; a interpretação dos ritos à luz da escritura, na perspectiva da história da salvação; a abertura ao compromisso cristão e eclesial, expressão da vida nova em Cristo8".

Ione Buyst, diz que ainda duas palavras que se relacionam ao termo mistagogia: a primeira é o mistagogo” ou mistagoga que se refere a pessoa que realiza a mistagogia, que inicia, que conduz ao conhecimento do mistério; a segunda é mistagógico” ou mistagógica que é o adjetivo derivado de mistagogia9.

Sendo assim, pode-se dizer que a Mistagogia é a arte de conduzir os fieis para dentro do mistério celebrado, o revelando através de cada rito, gesto e símbolo. É partir da própria celebração, dando os códigos e chaves para que permitam os catecúmenos, os neófitos, fieis a descobrirem, a desvendarem pouco a pouco o mistério que ali se celebra. O mistério da !

 

2. A MISTAGOGIA NOS RITOS DE ISRAEL

É importante recordar que as raízes do cristianismo estão no judaísmo. Ao buscar entender e conhecer os ritos celebrados no antigo e novo Israel, antes e após Jesus de Nazaré, facilmente se identificará familiaridade nos ensinamentos e transmissão da na liturgia judaica com a mistagogia da Igreja cristã primitiva.

Uma breve análise da estrutura e de alguns ritos da celebração anual da páscoa judaica ajudará a identificar as raízes da mistagogia e do método mistagógico praticado pelos Santos Padres.

 

2.1. ELEMENTOS MISTAGÓGICOS DA CEIA JUDAICA NO TEMPO DE JESUS

A páscoa judaica é a celebração da libertação do povo de Israel da escravidão do Egito. Este momento tão importante e significativo na vida e na história de um povo não pode ser esquecido. É necessário fazer memória, não no sentido apenas de lembrar, mas de atualizar. A celebração anual da páscoa judaica é, portanto, a prefiguração litúrgica da saída do Egito, da passagem a enxuto do mar, para a libertação.

Este evento vivido e atualizado a cada ano, é um conjunto bastante complexo de ações, palavras e gestos. É também um importante momento para transmitir às novas gerações a professada. A estrutura ritual, como de costume na tradição religiosa judaica tem intuito didático, preocupando-se com a clareza e o entendimento na íntegra de cada rito10. 

Esse breve esquema mostra a rica e complexa estrutura e ordem simbólico-ritual da Pessach. A mistagogia está presente desde a preparação e execução de todo o rito, porém, serão observados apenas três elementos.

O espaço preparado para a ceia e sua organização é o primeiro elemento identificado. É implícito e pode ser atestado pela pergunta do filho Por que esta noite é diferente.... Neste dia, pode-se crer que tudo é preparado nos mínimos detalhes, desde a decoração, organização da sala, louças e alimentos. Tudo tão organizado que indica, sem anúncio verbal, que aquela noite é diferente de todas as outras.

A mistagogia nesse sentido não é feita verbalmente, mas através da visão. de adentrar na sala para refeição se remete a algo novo, diferente, célebre, importante... Cada festa do calendário judaico continha seus próprios símbolos e ritos específicos, que exigiam uma organização e prévia preparação. Estes elementos tornam-se catequéticos, mistagógicos. A pergunta do filho é mais um elemento mistagógico que pode ser identificado.

A pergunta especificada em quatro exclamações de admiração12atesta a importância da presença de crianças na ceia. Nesta noite sua presença é momento oportuno de mistagogia, onde serão inseridas num anúncio salvífico, onde se cumpre a prescrição descrita no livro do Êxodo 13,14 de se transmitir de geração em geração o anúncio da libertação13.

O que nós ouvimos, o que aprendemos, o que nossos pais nos contaram, não ocultaremos a nossos filhos; mas vamos contar à geração seguinte as glórias do Senhor, o seu poder e as obras grandiosas que Ele realizou” (Sl 78,3-4).

"Na literatura talmúdica testemunhos da atenção que mestres respeitáveis costumavam dar às crianças na noite de páscoa, esforçando-se de todos os modos por interessá-los e mantê-los despertos, de maneira que estivessem em condição de formular as perguntas. Desses pormenores se entrevê a figura de um pai disponível, solícito e constantemente preocupado em adaptar-se à real compreensão do filho e de cada comensal que o filho representa, para fornecer-lhe a informação que lhe permitirá estar envolvido salvificamente no evento da páscoa"14.

Por fim, o matzá, pão em forma de bolacha, não contendo fermento e assado rapidamente, lembra o povo que não teve tempo para que a massa levedasse e o tem que assar às pressas no momento da saída do Egito. É o alimento da mesa judaica durante todos os dias de Pessach, substituindo o pão fermentado. O mandamento da não ingestão de pão fermentado descrita em Êxodo 12, descreve que no décimo quarto dia do mês de Nissam deve-se retirar todo o fermento (chametz) de dentro da casa.

A busca pelo chametz é feita à luz de uma vela, onde os membros da família percorrem toda a casa em busca de qualquer alimento fermentado, como migalhas de pão, biscoito etc. Costuma-se ainda espalhar livremente dez pedaços de pão bem embrulhados no interior da casa, para serem achados e coletados pelas crianças, munidas de uma pena, varrerem” todo o chametz ao encontrá-lo.

Na noite do Seder (jantas de Pessach), três15 matzot são colocadas no centro de uma bandeja e utilizadas em vários momentos do ritual. É mais um momento mistagógico, onde através do simbolismo do não fermento, se transmite toda uma tradição, onde cada geração deverá sentir como se eles próprios tivessem sido libertados do Egito. A explicação, a busca e o comer o pão ázimo mantém viva a memória do povo liberto da escravidão.

O local da celebração, a preparação, o ritual em suas catorze divisões e palavras, os alimentos simbólicos, formam um todo, que revelam a história, o passado, presente e futuro de um povo.

Nesse sentido, a liturgia cristã recebe como herança tal tradição, onde cada tempo litúrgico, expressado por seus cantos, cores e símbolos revelam o mistério celebrado e vivido ao longo do tempo.

As leituras bíblicas, unida à homilia orientam e clarificam o mistério celebrado. O sacrifício e banquete, dado em alimento, atualiza e exprime a história e identidade do povo de Deus, de um corpo.


3. A MISTAGOGIA CRISTÃ

Com elementos herdados da tradição judaica e com a novidade do evento salvífico da morte e ressurreição de Jesus Cristo, as primeiras comunidades cristãs formadas criaram aos poucos e redigiram em partes seus ensinamentos transmitindo-os aos que se convertiam à cristã.

Os escritos, tidos como testemunhos literários do depósito da fé, dos apóstolos à primeira ou segunda geração pós-apostólica16, em síntese tradições litúrgicas e canônicas, compiladas receberam o nome de Didaché ou ainda Doutrina dos Apóstolos” ou um nome mais completo Doutrina do Senhor através dos doze Apóstolos”.

Esses escritos foram fundamentais para compreender a doutrina e a prática da Igreja primitiva. Une- se à Didaché muitos outros textos posteriores que para um estudo mais aprofundado poderão ser tomados: Epístola de Santo Inácio de Antioquia; Carta de São Clemente Romano; Tradição Apostólica de Hipólito; Catequese de São Cirilo de Jerusalém; Peregrina de Etéria etc.

Uma rápida análise dos textos da Didaché, permite identificar um caminho mistagógico realizado pelos cristãos da Igreja primitiva ao acolher os que queriam abraçar a fé.

Em três etapas os primeiros cristãos transmitiam os fundamentos da do cristianismo aos catecúmenos e os introduziam na vida litúrgica e comunitária.

No texto da Didaché, nota-se que as comunidades ainda não estão estruturadas, mas pode-se dizer, que esse pequeno manual de catequese utilizado pelos primeiros cristãos, com influências do judaísmo e do paganismo, foi a base para a mistagogia cristã, pois dela, beberam os antigos Padres da Igreja.

Na Igreja primitiva, a catequese feita por tais Padres especulavam nas celebrações e a partir das celebrações. Não estavam preocupados em dar explicações e formas sistemáticas. Cesare Giraudo faz um convite a imaginar, por exemplo, Ambrósio de Milão (+ 397), ao falar do tratado sobre a eucaristia:

"O mestre não se põe no centro da cena, mas do lado: No centro está o altar, que estamos na igreja. Mistagogo e neófito comportam-se como se tivessem, à maneira dos camaleões, o controle independente dos olhos. Com um olho, ou seja, com o olhar material, mestre e discípulo se olham: o mistagogo olha com amor para os neófitos e os neófitos olham com confiança para o mestre. Mas com o outro olho, o olho teológico, mestre e discípulo olham para o altar, não perdem de vista um instante. O altar é o verdadeiro mestre!" 17.

Quer entender que a mistagogia, que o método mistagógico, e a compreensão da liturgia, não cabem em uma sala e numa relação professor x aluno ou mestre x discípulo, como afirma ainda Cesare Giraudo ao explicar a metodologia usada no segundo milênio da fé:

"O mestre olha os discípulos, os discípulos olham o mestre; nenhum deles olha a Igreja, nenhum deles olha o altar. Ao que professaram na escola hão de volver-se as mentes de mestres e discípulos quando se encontrarem na Igreja a rezar, pois logicamente primeiro estudam e depois rezam, rezam na medida em que estudam, rezam como estudaram" 18.

Para os padres da Igreja é evidente que a mistagogia,

é um ensinamento ordenado a fazer compreender o que os sacramentos significam para a vida, mas que supõe a iluminação da que brota dos próprios sacramentos; o que se aprende na celebração ritual dos sacramentos e o que se aprende vivendo de acordo com o que os sacramentos significam para a vida19.

É um ensinamento que parte da prática, da vivência. É impossível reduzir a relação da pessoa de com o mistério de Deus e de seu Reino, revelado por Jesus em conceitos racionais, dogmas ou a um código moral, ou ainda à uma mera explicação. É necessário ser iniciado no conhecimento do mistério, na comunhão com Deus, não somente com palavras, mas principalmente através de uma experiência eclesial e ritual do mistério de Cristo que leve o fiel a uma vida de fé, centrada na pessoa dele20.

Nesse sentido, ao escrever a exortação apostólica pós-sinodal sobre a Eucaristia, o Papa Bento XVI diz:

"O Sínodo dos Bispos recomendou que se fomentasse, nos fiéis, profunda concordância das disposições interiores com os gestos e palavras; se ela faltasse, as nossas celebrações, por muito animadas que fossem, arriscar-se-iam a cair no ritualismo. Assim, é preciso promover uma educação da eucarística que predisponha os fiéis a viverem pessoalmente o que se celebra. Vista a importância essencial desta participação pessoal e consciente, quais poderiam ser os instrumentos de formação mais adequados? Para isso, os padres sinodais indicaram unanimemente a estrada duma catequese de carácter mistagógico, que leve os fiéis a penetrarem cada vez mais nos mistérios que são celebrados" 21.

A mistagogia e todo o método mistagógico, que foi a base da Iniciação Cristã dos primeiros séculos da Igreja, desenvolvido e usado pelos Santos Padres voltam a ser estudado, pela teologia, catequese e liturgia, não para aplicá-lo tal qual, mas para servir de inspiração e modelo à formação cristã, principalmente na teologia litúrgico-sacramental. Ponto de referência desse tipo de formação é a participação litúrgica e a experiência que nos proporciona um contato vivo e pessoal com o mistério da 22.

 

CONCLUSÃO

A prática ritual e os espaços em que a é celebrada revelam a crise na atualidade e na realidade de muitas comunidades. O distanciamento entre catequese e liturgia, e a sua racionalização, fez com que na grande maioria das vezes a liturgia não passasse de mero ritualismo.

Os ritos e símbolos não comunicam, não falam mais ao fiel que ali está. É preciso tudo se explicar, ou inventar” ou criar”, algo que dinamize nossas celebrações, para que haja uma participação”

por parte da assembleia, pois para muitos a ação ritual não passa de uma mera repetição de ações chata e monótona.

Para tanto, uma liturgia bem celebrada, com um ambiente bonito, arejado e iluminado, valorizando os elementos fundamentais que constituem o espaço litúrgico, respeitando a espiritualidade própria do calendário litúrgico, com seus símbolos e ritos, fazendo o caminho pedagógico e mistagógico proposto por ele é de fundamental importância para se ter uma liturgia mistagógica, que comunique e conduza para o Mistério.

Redescobrir as raízes mistagógicas da liturgia cristã, buscando no judaísmo o entendimento e a dinâmica de sua espiritualidade, bem como, compreender a liturgia cristã, sua formação e transmissão nos primeiros séculos da cristã, voltando às suas origens, nos ajudará a resgatar o que é fundamental dos ritos e símbolos, e conscientizar o fiel daquilo que é essencial na fé, dando-lhes as chaves para compreensão e interpretação da ação realizada, fazendo com que o mesmo faça essa experiência mística com Jesus Cristo.

Portanto, o contato com liturgias mistagógicas, onde os ritos e símbolos são vivenciados e bem compreendidos na sua essência, e que leve o catecúmeno a se encontrar com o mistério pascal de Cristo, é o primeiro passo para uma viva no seio da comunidade celebrante.

 

BIBLIOGRAFIA

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Notas

*Mestrando em Teologia da PUC/SP.

1COMPÊNDIO do Vaticano II. Constituições, decretos e declarações, p. 256.

2VALLE, S. Pastoral Litúrgica. Uma proposta um caminho. p.11.

3Cf. SC 64-65; AG 14; CD 14.

4Cf. RITUAL da Iniciação Cristã de Adultos n.7, p. 23.

5 BUYST, Ione. O segredo dos Ritos. Ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 115.

6 COSTA, Rosemary Fernandes da. Mistagogia Hoje. O resgate da experiência mistagógica dos séculos III e IV como contribuição para a evangelização atual. Dissertação (Mestrado em Teologia.) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em Teologia Sistemático-pastoral. Rio de Janeiro, 2003. p. 66. Disponível em: <http://www.puc-rio.br>. Acesso em 20 de fevereiro de 2014.

7Id. Mistagogia na Eucaristia: Recaminhar nas fontes dos padres da Igreja. In: BOFF, Lina (org.). A Ceia do Senhor nos une e nos reúne. Juiz de Fora: Editar; São Leopoldo: Oikos, 2013.

8 SANCHEZ, Victor. A liturgia como fonte da espiritualidade cristã. In: Manual de Liturgia. Vol. IV. São Paulo: Paulus, 2007. p. 443.

9 BUYST, Ione. O segredo dos Ritos. Ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 115.

10GIRAUDO, Cesare. Num Corpo. Tratado mistagógico sobre a Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 99.

11GIRAUDO, Cesare. Num Corpo. Tratado mistagógico sobre a Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 101-102.

12 O Centro de Cultura Judaica de São Paulo descreve e traduz no Hagadá de Pessach 5772/2012 as interrogações do filho (Ma Nishtana): O que destaca esta noite de todas as outras noites? Em todas as noites comemos pão fermentado ou matzá. Esta noite somente matzá. Em todas as demais noites comemos qualquer espécie de ervas amargas. Esta noite especialmente ervas amargas. Em todas as demais noites não costumamos ensopar a erva nenhuma vez; esta noite, duas vezes. Em todas as demais noites jantamos de maneira habitual; esta noite jantamos com cerimônia especial”.

13GIRAUDO, Cesare. Num Corpo. Tratado mistagógico sobre a Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 105.

14Ibidem, p. 105.

15Representando os três grupos de judeus: Cohanim, Leviin e Israel.

16ZILLES, Urbano. Didaqué. Catecismo dos primeiros cristãos. Petrópolis: Vozes, 1970, p. IX.

17GIRAUDO, Cesare. Num Corpo. Tratado mistagógico sobre a Eucaristia. São Paulo: Loyola, 2003, p. 8- 9.

18Ibidem, p. 7.

19 SANCHEZ, Victor. A liturgia como fonte da espiritualidade cristã. In: Manual de Liturgia. Vol. IV. São Paulo: Paulus, 2007. p. 443.

20 BUYST, Ione. O segredo dos Ritos. Ritualidade e sacramentalidade da liturgia cristã. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 116.

21BENTO XI. Sacramentum Caritatis. Sobre a Eucaristia, fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. Disponível em: < http://www.vatican.va> Acesso em: 12 de março de 2014, n. 64.

22BUYST, Ione. Mistagogia hoje: como e quando? In: Revista de liturgia, n. 202.

 



[1] “Falava-se muito, há alguns anos, de mundo secularizado e de era pós-cristã. A moda, como sempre, passa... Mas permanece uma realidade profunda. Os cristãos de hoje têm de ser formados para viverem num mundo que em vasta escala ignora a Deus, ou que em matéria religiosa, em vez de diálogo exigente e fraterno, estimulante para todos, se atola com muita frequência num indiferentismo nivelador, quando não permanece mesmo numa atitude despiciente de «suspeita», em nome dos seus progressos em matéria de «explicações» científicas. Para conseguir «aguentar» neste mundo assim, para oferecer a todos a possibilidade de um «diálogo da salvação» (101) em que cada um se sinta respeitado na sua dignidade verdadeiramente fundamental, que é a de um ser que busca Deus, precisamos de uma catequese que ensine jovens e adultos das nossas comunidades a permanecerem lúcidos e coerentes na sua fé e a afirmarem serenamente a sua identidade cristã e católica, a «verem o invisível» (102) e a aderirem de tal modo ao absoluto de Deus, que possam dele dar testemunho no seio de uma civilização materialista que o nega”. (JOÃO PAULO II. Exorta Apostólica Catechesi Tradendae (CT), n. 57; “Nesta inculturação da fé, apresentam-se concretamente, para a catequese, diversas tarefas. Entre estas, devemos ressaltar: – Considerar a comunidade eclesial como principal fator de inculturação. Uma expressão e, ao mesmo tempo, um eficaz instrumento dessa tarefa, é representado pelo catequista que, juntamente com um profundo senso religioso, deverá possuir uma viva sensibilidade social e ser bem radicado no seu ambiente cultural. (377) – Elaborar Catecismos locais, que respondam às exigências que provêm das diferentes culturas, (378) apresentando o Evangelho em relação às aspirações, interrogações e problemas que existem nessas mesmas culturas. – Realizar uma oportuna inculturação no Catecumenato e nas instituições catequéticas, incorporando, com discernimento, a linguagem, os símbolos e os valores da cultura na qual vivem os catecúmenos e os catequizandos. – Apresentar a mensagem cristã de modo a tornar aptos a « dar razão da vossa esperança » (1 Pd 3,15) aqueles que devem anunciar o Evangelho em meio a culturas freqüentemente pagãs e às vezes pós-cristãs. Uma apologética bem feita, que ajude o diálogo fé-cultura, torna-se hoje imprescindível” (Diretório Geral para Catequese, n. 110.

[2] A catequese inspirada no processo catecumenal: 45) Os que recebem a catequese são chamados de “catequizandos”, se já receberam o Batismo, e de “catecúmenos”, quando se preparam para receber esse sacramento (cf. DGC 90, nota 60; 16, 29, 66 etc.). Para todos a catequese quer garantir uma formação integral, num processo em que estejam presentes a dimensão celebrativo-litúrgica da fé, a conversão para atitudes e comportamentos cristãos e o ensino da doutrina (cf. DGC 29, 88, 89): é a inspiração catecumenal que deve iluminar qualquer processo catequético.

46) A inspiração catecumenal, que remonta ao início da Igreja e à época dos Santos Padres, é uma ação gradual e se desenvolve em quatro tempos, como é apresentado no Ritual de Iniciação Cristã de Adultos (nn. 6-7: DGC 88): a) o pré-catecumenato: é o momento do primeiro anúncio, em vista da conversão, quando se explicita o querigma (primeira evangelização) e se estabelecem os primeiros contatos com a comunidade cristã (cf. RICA 9-13); b) o catecumenato propriamente dito: é destinado à catequese integral, à entrega dos evangelhos, à prática da vida cristã, às celebrações e ao testemunho da fé (cf. RICA 14-20); c) o tempo da purificação e iluminação: é dedicado a preparar mais intensamente o espírito e o coração do catecúmeno, intensificando a conversão e a vida interior (cf. RICA 21-26); nesta fase recebem o Pai-Nosso e o Credo; no final recebem os sacramentos da iniciação: Batismo, Confirmação e Eucaristia (cf. RICA 27-36); d) o tempo da mistagogia: visa ao progresso no conhecimento do mistério pascal através de novas explanações, sobretudo da experiência dos sacramentos recebidos, e ao começo da participação integral na comunidade (cf. RICA 37-40).

47) A formação propriamente catecumenal, conforme a mais antiga tradição, realiza-se através da narração das experiências de Deus, particularmente da História da Salvação mediante a catequese bíblica. A preparação imediata ao Batismo é feita por meio da catequese doutrinal, que explica o Símbolo Apostólico e o Pai-Nosso, com suas implicações morais. Esse processo é acompanhado de ritos e escrutínios. A etapa que vem depois dos sacramentos de iniciação, mediante a catequese mistagógica, ajuda os neobatizados a impregnar-se dos sacramentos e a incorporar-se na comunidade (cf. DGC 89; cf. CR 222).

48) Essas etapas da tradição catecumenal pré-batismal inspiram também todo e qualquer tipo de catequese pós-batismal. Porém, entre catequizandos e catecúmenos, e entre catequese pós-batismal e catequese pré-batismal, existe uma diferença fundamental: os primeiros já foram introduzidos na Igreja, mergulhados em Cristo por meio do Batismo. Sua conversão se fundamenta, portanto, nesse Batismo já recebido, cuja graça devem desenvolver (cf. RICA 295; DGC 90).

49) Diante dessa substancial diferença, é preciso ter presentes estes elementos do catecumenato batismal: eles são fonte de inspiração para a catequese pós-batismal (cf. DGC 91): a) O catecumenato batismal recorda constantemente à Igreja a importância fundamental da função da iniciação à vida cristã, que envolve “o anúncio da Palavra, o acolhimento do Evangelho, acarretando uma conversão, a profissão de fé, o Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à Comunhão Eucarística” (CDC 1229). A pastoral de iniciação cristã é vital para a Igreja particular;  b) O catecumenato batismal é responsabilidade da comunidade cristã. De fato, tal iniciação cristã deve ser obra não apenas dos catequistas e dos presbíteros, mas também da comunidade de fiéis e, sobretudo, dos padrinhos (cf. AG 14d). A instituição catecumenal incrementa assim, na Igreja, a consciência da sua maternidade espiritual; c) O catecumenato batismal é impregnado pelo mistério da Páscoa de Cristo. Por isso, “toda iniciação deve ter caráter pascal” (RICA 8). A Vigília pascal, centro da liturgia cristã, e a espiritualidade batismal são inspiração para qualquer processo catequético; d) O catecumenato batismal é lugar privilegiado de inculturação. 6 Seguindo o exemplo da Encarnação do Filho de Deus, que, assumindo nossa realidade, foi em tudo semelhante a nós, menos no pecado (cf. Hb 4,15), a Igreja acolhe os catecúmenos integralmente, com os seus vínculos culturais, purificados à luz do Evangelho. A ação catequizadora participa dessa função de incorporar na catolicidade da Igreja as autênticas “sementes da Palavra”, disseminadas nos indivíduos e nos povos; e) A concepção do catecumenato batismal, como processo formativo e verdadeira escola de fé, oferece à catequese pós-batismal uma dinâmica e algumas notas qualificativas: a intensidade e a integridade da formação; o seu caráter gradual, com etapas definidas; a sua vinculação com ritos, símbolos e sinais, especialmente bíblicos e litúrgicos; a sua constante referência à comunidade eclesial. A catequese pós-batismal não precisa reproduzir ao pé da letra o catecumenato batismal. Porém, reconhecendo aos catequizandos a sua realidade de batizados, inspira-se nessa “escola preparatória à vida cristã”, deixando-se fecundar pelos seus principais elementos.

50) A catequese não prepara simplesmente para este ou aquele sacramento. O sacramento é uma conseqüência de uma adesão à proposta do Reino, vivida na Igreja. Nosso processo de crescimento da fé é permanente; os sacramentos alimentam esse processo e têm conseqüências na vida. Diante da importância de assumir uma catequese de feição catecumenal, é necessário rever, profundamente, não apenas os “cursos de Batismo e de noivos” e outros semelhantes, mas todo o processo de catequese em nossa Igreja, para que se pautem pelo modelo do catecumenato.



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